Folha de S. Paulo


Chamaram-me um nome

O que mais me intrigava, em criança, eram os nomes. Como é que os pais sabiam que nome colocar aos filhos? Em geral acertavam, o que era um milagre. Quase todos os Manuéis tinham cara de Manuel, e as Brunas pareciam efetivamente Brunas.

A minha avó chamava-se Adélia –o que estava certíssimo. Era óbvio que uma avó não só podia como devia ser Adélia. Mas alguém tinha descoberto isso quando ela era ainda um bebê. Ela teve de ser Adélia com 5 anos, e com 13, e com 27. Tudo idades em que ser Adélia não fazia qualquer sentido. Teve de esperar muito para cumprir o seu destino de ser avó Adélia. Devia ter tido um nome mais jovem, primeiro, como Patrícia, e depois mudar para Adélia, a tempo de ser avó.

Alguns nomes pareciam feitos à medida. Ayrton Senna. Que nome extraordinário para uma pessoa extraordinária. Um José Silva não saberia pilotar assim, não poderia ser campeão, não teria a admiração das pessoas. Ninguém, no trânsito, baixaria o vidro do carro para perguntar a outro motorista mais ousado: "Quem é que você pensa que é? José Silva?"

Luiza Pannunzio/Folhapress

Outros nomes determinam toda a vida da pessoa que designam. Cristiano Ronaldo não poderia ser outra coisa a não ser jogador de futebol. Nunca, na história da humanidade, alguém disse ou dirá "O responsável pelo transplante do seu fígado vai ser o doutor Cristiano Ronaldo".

Quando eu era pequeno percebi a terrível banalidade do meu nome e desejei ter outro. A minha escolha era Mats Wilander, o nome de um tenista sueco. Mats Wilander tinha uma musicalidade forte, mas suave, era conciso, mas categórico, duro sem ser ríspido. Era evidente que, se eu me chamasse Mats Wilander, as garotas haveriam de suspirar: "Viu quem ali estava? Era Mats Wilander". E os homens diriam: "É melhor não nos metermos com aquele. Trata-se de Mats Wilander".

Entretanto fui crescendo. Habituei-me ao meu nome. Convenci-me de que os nomes não tinham qualquer influência na vida de uma pessoa. E que Mats Wilander não possuía qualquer vantagem sobre mim, não poderia ter nada que eu não tivesse. Mas ontem vi que o canal Eurosport tem um programa em que Mats Wilander comenta os principais torneios de tênis. O programa chama-se "Game, Set and Mats". Parece que as estrelas se alinham para privilegiar Mats Wilander. Quão estúpido seria o programa "Game, Set and Ricardo"? O eu criança tinha razão.


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