Folha de S. Paulo


Curriculum vitae

Nunca fui escolhido em último na pelada. Talvez esse seja o meu maior orgulho.

Nem comigo mesmo sou totalmente honesto, totalmente aberto. Porque sou um outro. Estar em frente a mim é estar perante outra pessoa, um estranho, quase-estranho. Ele é sobranceiro e julga-me, mesmo que não diga nada.

No exame de história da arte, o professor perguntou por Renoir. Eu só tinha estudado Manet, e então disse que um dos aspectos mais curiosos da obra de Renoir era o diálogo que ela estabelecia com os quadros de Manet, e falei sobre Manet. Passei.

Luiza Pannunzio/Folhapress
Ricardo Araújo Pereira de 8.set.2017

Nunca expressei riso por escrito por meio da repetição da letra k.

Retenho com facilidade uma quantidade grande de informação inútil. Por exemplo, nos anos 1990 o Benfica teve um jogador romeno chamado Panduru. O seu nome completo era Basarab Nica Panduru.

Uma vez, ao jantar, fiz as minhas filhas rirem tanto que uma expeliu água pela boca e a outra fez xixi. Afinal é esse o meu maior orgulho. Nunca ter sido escolhido em último na pelada vem logo a seguir.

Tenho quase a certeza de que, quando eu era pequeno, não havia kiwi. A gente entrava na mercearia e havia as frutas tradicionais: laranja, maçã, banana, uva. O feijão com arroz das frutas. De repente, apareceu o kiwi. Uma espécie de batata peluda com o miolo verde. A minha avó desconfiava do kiwi. Eu também.

Quando eu morrer quero ser cremado. Depois, desejo que as cinzas sejam depositadas numa cápsula especial. Essa cápsula será então introduzida na bunda de uma vaca amarela feita de papel machê, em tamanho real. A seguir, alguém põe a tocar "My Heart Will Go On", o tema de Céline Dion. Mesmo no momento do último acorde, com o auxílio de um mecanismo hidráulico, a vaca expelirá as cinzas para o ar. Depois será servido um coquetel em que todas as conversas devem incluir a palavra "clavícula".

Um dia tive uma ideia engraçada sobre a natureza humana e depois descobri que Millôr Fernandes tinha tido exatamente a mesma ideia uns 30 anos antes. Fiquei triste e contente.

Não passa um dia sem que me lembre da minha avó.

Não sou racista, exceto em relação à comunidade de pessoas que expressa riso por escrito por meio da repetição da letra k.

Ando a fazer à vida o mesmo que fiz ao professor de história da arte.


Endereço da página: