Folha de S. Paulo


Questionários de verão: um flagelo

Enquanto os habitantes do hemisfério sul desfrutam de um plácido inverno, nós, na outra metade do planeta, suportamos o verão e o seu mais inclemente produto: as entrevistas levezinhas de verão.

Por alguma razão misteriosa, assim que as nuvens descobrem os primeiros raios de sol, os jornais adquirem a súbita vontade de confrontar pessoas inocentes com perguntas sobre os objetos que elas levariam para uma ilha deserta.

"Está calor", imagino que o diretor do jornal diga aos seus jornalistas. "Escolham um famoso e apurem imediatamente qual é o seu sabor de sorvete favorito. É urgente. Não podemos continuar nesta ignorância."

Luiza Pannunzio/Folhapress

Quando acima falei em pessoas inocentes, pesei bem a palavra. Quem responde a questionários de verão é, em geral, gente livre de pecado. À pergunta: "Qual o seu maior defeito?", respondem quase sempre de uma de duas maneiras: ou apontam um defeito menor (normalmente, a teimosia), ou confessam uma qualidade excessiva que, na verdade, é um defeito dos outros (por exemplo: "confiar demais nas pessoas").

Às vezes, fantasio com as respostas que eu daria a esse tipo de pergunta. Da vasta lista de defeitos que a minha personalidade me coloca à disposição, talvez escolhesse, por exemplo, estes: sou preguiçoso e guardo rancores. Sempre são dois pecados mortais, a ira e a preguiça. Gostava muito de juntar a luxúria, mas infelizmente não pratico tanto quanto desejaria.

Seria desonesto admitir deformidades que apenas aspiro a ter. Mas agradar-me-ia muito ser o único madraço mau-caráter no meio de meros teimosos ingênuos.

O que significa, constato agora, que talvez devesse acrescentar também a vaidade à lista –fato que, aliás, me envaidece.

Todos os verões eu envio, sem sucesso, o meu próprio questionário de verão já preenchido para várias publicações, fornecendo todas as informações habituais antes mesmo de perguntarem.

Por exemplo, se pudesse escolher qualquer pessoa do mundo para jantar, eu escolheria uma pessoa macia. Não aprecio carne dura.

Ou, inovando: o que eu levaria para uma ilha habitada? Um tigre, porque prefiro ilhas desertas. Nunca publicam, porque são teimosos. E, provavelmente, confiam demais nas pessoas.


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