Folha de S. Paulo


Fui ao mercado comprar silêncio

Quando se suspeitou que o presidente do Brasil teria tentado comprar o silêncio de outra pessoa fiquei fascinado com a ideia. Que coisa linda: comprar silêncio.

A corrupção costuma ser bastante prosaica, mas há qualquer coisa indesmentivelmente poética em comprar silêncio. Se for verdade, parece que Michel Temer é a voz que fala num poema de Manoel de Barros. Foi aí que me indignei. Detesto injustiça.

Quando Manoel de Barros começa um poema dizendo "Difícil fotografar o silêncio. / Entretanto tentei", toda a gente acha bonito. Mas quando se supõe que Temer pretende comprar silêncio, o caso sai nas primeiras páginas como se fosse escandaloso. No entanto, trata-se da mesma operação poética.

Ambos desejam apropriar-se da quietude, captar o impossível. Ambos tentam dominar o absoluto com um recurso mundano, e em ambos convive uma aspiração divina com uma inabilidade humana.

Pois um ganha o prêmio Jabuti e outro arrisca perder a presidência.

Por sorte de Manoel de Barros e azar de Temer, os críticos literários desconhecem a lei e os juízes do Supremo não sabem nada de literatura.

Como pai de duas crianças, não posso evitar uma empatia enorme pela hipotética intenção de Michel Temer. Quantas vezes, quando estou a tentar ler um livro ou assistir a um filme, não me apeteceu comprar silêncio? Conheço bem esse desespero.

E como cidadão que precisa de trabalhar para viver, confesso inveja de Eduardo Cunha: enquanto sou pago para falar, ele recebe para estar calado. Que o meu talento para guardar silêncio nunca tenha sido descoberto é das grandes tragédias da minha vida. Com o incentivo adequado, eu também encantaria o mundo com o meu mutismo.

Uma das ironias do caso é o fato de Temer ter sido alegadamente gravado a pedir silêncio. A confirmar-se, é mais uma prova de que o ruído desarranja a nossa vida. Verbalizar a compra de silêncio é uma infeliz fraqueza, uma contradição fatal –e uma lição para todos: antes de adquirir o silêncio do outro, tratemos de garantir o nosso. A outra ironia é que Eduardo Cunha ainda receba pelo silêncio.

Todo o mundo simpatiza mais com Cunha quando ele está calado. Pagar-lhe para se calar não seria corrupção: seria mecenato.

Luiza Pannunzio/Luiza Pannunzio/Editoria de Arte/Folhapress
Luiza Pannunzio de 26 de maio de 2016

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