Folha de S. Paulo


Aquele momento

Luiza Pannuncio/Luiza Pannuncio
Luiza Pannuncio de 28. Abril de 2017

Aquele momento em que você percebe que todo o mundo está começando frases com a expressão "aquele momento". Aquele momento em que esse simples fato se transforma numa evidência da sua velhice.

Aquele momento em que você desconfia de que é a única pessoa da história que nunca exprimiu as suas emoções por intermédio de uma bolinha amarela colocada no fim de um comentário.

Aquele momento em que você quase sente vergonha de nunca ter fotografado comida. Aquele momento em que você pensa que, se algum dia fotografou comida, foi por engano, como daquela vez que você tirou uma foto de um prado e, ao fundo, estava uma vaca.

Aquele momento em que se torna claro que, apesar de tudo, você é demasiado novo para ser tão reacionário. Aquele momento em que você repara que, aos 43 anos, já resmunga feito o seu avô quando ele tinha 91. Aquele momento em que parece que o mundo anda tão depressa que você começou a envelhecer em anos de cão, sete anos para cada um que passa sobre as pessoas que o rodeiam.

Aquele momento em que você não consegue evitar o pensamento de que o mundo está a sugerir, e de uma forma bem pouco sutil, que você já não pertence aqui. Aquele momento em que realmente o mundo parece o dono da casa e você é a visita abusadora que ignora os bocejos do anfitrião e volta a encher o copo às três da manhã.

Aquele momento em que todas as pessoas menores de 25 anos parecem seres humanos 2.0, enquanto você é uma versão beta que nunca serviu para muito e agora não serve para nada. Aquele momento em que você recorda a famosa frase de abertura do livro do L. P. Hartley, que diz "O passado é um país estrangeiro: eles fazem as coisas de outro jeito lá" e pensa que não é bem assim, agora é o presente que é um país estrangeiro, e a vida toda decorre noutro idioma, e você não baixa app, não faz post no Instagram, não dá swipe no Tinder, não coloca tuíte no Twitter e uma vez os seus amigos o levaram a um brunch, e você veio embora sem saber se tomou café da manhã de mais ou almoçou de menos.

Aquele momento em que você desiste e conclui que talvez fosse engraçado fazer um meme sobre isso, se ao menos você soubesse exatamente o que um meme é, e como se faz.


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