Folha de S. Paulo


Distraídos no Senado

Na final da Copa de 98, os jornalistas esperaram sentados por uma notícia que viria em hora e local previamente combinados. Mais tarde se soube que ela havia acontecido antes do jogo, longe do estádio e dos olhos da imprensa. Guardada a diferença de assunto, o fenômeno se repetiu na semana passada em Brasília.

Repórteres e colunistas voltaram sua atenção -e pediram a do leitor- para o discurso que Antonio Carlos Magalhães faria no Senado, o primeiro depois de perder a presidência da Casa para o inimigo Jader Barbalho.

Veio a terça-feira, ACM falou e, no dia seguinte, os jornais concluíram que não havia motivo para preocupação. O senador repetira "denúncias velhas" e, exceto por uma rápida menção ao dossiê Caribe, "poupara" o presidente Fernando Henrique Cardoso. "Morno", o discurso chegara a "tranquilizar" o Planalto.

Único a destoar do coro, o "Valor" informou em sua capa que FHC estava, ao contrário, muito irritado. Não com o que foi dito na tribuna, mas com o encontro realizado de véspera entre ACM e procuradores da República.

A chamada parecia senha para o que chegou, no dia seguinte, à versão online da "IstoÉ". Enquanto a tônica dos jornais foi a ausência de surpresa do discurso, o site da revista divulgou o teor da conversa no Ministério Público.

Nela ACM atirou para todos os lados (até, involuntariamente, em si próprio). E nada de poupar FHC: "Os dados que vocês receberam do Eduardo Jorge estão incompletos. O que pega Eduardo Jorge são os sigilos bancários de 94 e 98. Se pegar o Eduardo Jorge, chega ao presidente".

A diferença entre a desinformação de 98 e a da semana passada é que, no primeiro caso, o imponderável jogou um papel importante. Já o bate-papo de segunda-feira não pegou ninguém desprevenido. Todos souberam que ele ocorreu.

"ACM fala com procuradores e discursa hoje contra PMDB", chegou a registrar a Folha, em título, na terça-feira. Aparentemente, o jornal não se interessou em descobrir o que ele falou com os procuradores.

Resta entender por que tantos deram de barato que a notícia sairia do evento sob holofotes, não do encontro a portas fechadas.

Além da dificuldade para escapar do roteiro predeterminado, chama atenção, na atitude da imprensa, a pressa em dar ACM como morto, sem dúvida a análise que mais interessa ao governo.

É certo que seu isolamento atingiu dimensões inéditas (assim como o arco favorável a Fernando Henrique, que neste caso inclui até o PT), mas nada garante que ele não possa causar mais estrago.

Vale lembrar que FHC se viu obrigado a tirar do cargo, junto com os dois ministros carlistas, o responsável por um órgão (DNER) em que ACM vive a apontar corrupção. Sem falar na possibilidade de ressurreição do caso Eduardo Jorge.

Jornalismo obcecado por eliminar ACM informa tão mal quanto jornalismo deslumbrado pela figura do senador.


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