Folha de S. Paulo


Notícia pela metade

Na quinta-feira, uma nota levada ao ar pela Folha Online pouco depois que helicópteros israelenses bombardearam alvos em Gaza e na Cisjordânia registrava que não havia, àquela altura, "informações sobre danos ou mortes".

A referência curta, quase uma praxe nos primeiros boletins desse gênero de notícia, foi suficiente para incomodar um leitor. Como não existiam informações, perguntou ele, "se horas antes palestinos haviam retirado de uma delegacia e linchado dois soldados israelenses? Essas mortes não contam?"

A mensagem me fez lembrar de outra, recebida no início da semana. O leitor pedia que a Folha, "em nome do jornalismo apartidário, pluralista e crítico que defende", retificasse a chamada "Hezbollah sequestra três soldados de Israel", publicada na capa de domingo passado.

Motivo: ela afirmava que o sequestro, cometido pelo grupo extremista islâmico, "foi o primeiro incidente grave desde maio, quando Israel retirou suas tropas do sul do Líbano".

"Mentira", disse o leitor. "Se bem me lembro, o assassinato de dezenas de civis palestinos pelos soldados israelenses, nos últimos dias, foi de fato o primeiro incidente grave desde maio".

Ainda que tenha faltado precisão tanto ao texto da Internet quanto ao da capa, entendo que o redator do primeiro se referia a danos ou mortes provocados pelos bombardeios, assim como quem escreveu o segundo falava no primeiro incidente entre Israel e o Hezbollah desde a retirada das tropas.

Semelhantes na forma, opostos no viés que enxergam no noticiário, os dois protestos ilustram o grau de suscetibilidade com que o jornal lida ao tratar do conflito no Oriente Médio.

A cobertura da atual onda de violência na região motiva manifestações de leitores que atribuem à Folha orientação pró-Israel (ou antipalestinos, como se queira) e de outros que estão convencidos do contrário.

Salvo um ou outro deslize pontual, eu não havia encontrado motivo para acusar o jornal de falta de equilíbrio até dar com a Primeira Página de sexta-feira.

"Israel lança seu maior ataque aos palestinos", afirmou a manchete. Não constou do enunciado, nem do sobretítulo que o complementou, o fato de que o ataque foi resposta ao linchamento.

Optou-se por dar no alto uma foto do bombardeio, deixando abaixo as da ação contra os soldados. Penso que o inverso teria sido melhor, tanto para seguir a ordem dos acontecimentos como pelo critério da força das imagens.

Mas não veria problema maior na escolha do jornal se as legendas tivessem amarrado bem o quadro, deixando claro o que veio antes. O resultado, no entanto, ficou confuso.

Para completar, foi deixada em página interna, escondida dentro de uma arte, a imagem do soldado sendo atirado pela janela da delegacia, tão ou mais dramática que a do palestino exibindo as mãos sujas de sangue (à esquerda na capa).

Se é verdade que as fotos e a manchete costumam ter primazia na atenção do leitor, então a capa de sexta deixou em segundo plano itens importantes para o entendimento da notícia.

Ainda que o efeito não tenha sido deliberado, indica o quanto é preciso ter cuidado nessa cobertura.

Cuidado não para agradar a todos, o que, além de não ser função do jornal, é sabidamente inviável. Mas para oferecer sempre a informação mais completa possível. Parece simples. Nunca é assim quando o assunto é Oriente Médio.


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