Folha de S. Paulo


Balança eleitoral

Foram quase cem mensagens à ombudsman sobre o mesmo assunto nas últimas duas semanas. Condensadas, resultam em algo que poderia ter como título "Dez razões para acusar a Folha de malufismo".

1. O editorial anunciando que o jornal "não endossa nenhuma das duas candidaturas que disputam o segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo", apesar de reconhecer "diferenças importantes e qualitativas entre elas".

2. O uso sistemático de reportagens da Folha na propaganda de televisão de Paulo Maluf.

3. Entre essas reportagens, a que previu a "repetição de secretários" de Luiza Erundina caso Marta Suplicy vença hoje.

4. A foto da candidata do PT com aparência descontrolada (rindo, informava a legenda; gritando, tinha-se a impressão) sob manchete que registrava o recuo de suas intenções de voto.

5. A foto de uma "drag queen" segurando cartaz do candidato do PPB na capa da Revista da Folha.

6. A afirmação de que Marta desistiu de participar do debate organizado pelo jornal e pela TV Cultura.

7. A manchete de domingo passado, "Vantagem de Marta volta a cair", feita a partir de pesquisa em que os dois candidatos oscilaram (ela para baixo, ele para cima) dentro da margem de erro (se foi assim, questionam os leitores, como falar em queda?).

8. As duas ocasiões em que Maluf disse ter recebido antecipadamente do jornal resultados do Datafolha.

9. A análise de Gilberto Dimenstein considerando "Martuf" o candidato ideal, "alguém que tivesse os propósitos sociais de Marta, com sua visão de parceria com a sociedade civil, e a experiência administrativa de Paulo Maluf".

10. A ausência de destaque para a revelação de que Maluf martelou durante dias, em sua campanha de TV, uma farsa originalmente levada ao ar no programa do Ratinho: a história do sequestro seguido de assassinato que na verdade foi suicídio.

Analisados separadamente, alguns itens da lista não resistem como indício de favorecimento a Maluf ou perseguição à Marta.

A manchete de domingo estava correta. Tanto a tendência da oscilação dos dois candidatos (a mesma do levantamento anterior) quanto o pequeno intervalo de tempo em que um ganhou e outro perdeu pontos autorizavam falar em redução da vantagem.

Há quem condene a opção de destacar o recuo quando a liderança é tão folgada (19 pontos naquele momento). O raciocínio, no entanto, é mais militante do que jornalístico. A queda de alguém que desde sempre esteve na dianteira sem dúvida se enquadra na definição de notícia.

Vale lembrar que o jornal deu idêntica visibilidade à interrupção desse movimento, detectada pela pesquisa seguinte.

A foto de Marta (reproduzida acima) é um flagrante associado à informação do momento, recurso clássico do noticiário político. Pode ser antipática, mas não caracteriza perseguição.

A da "drag queen" ilustrou reportagem sobre pessoas que decidiram trocar Maluf por Marta, ou vice-versa, depois do primeiro turno. É curiosa, mas duvido que tenha servido para atrair apoio ao candidato do PPB, como temiam alguns leitores.

Quanto ao "Martuf", trata-se de opinião do colunista. O jornal tem vários que pensam e escrevem coisa diferente.

Outros itens da lista estão em zona cinzenta.

Todo candidato usa jornais na propaganda da TV conforme sua conveniência. É digna de nota, entretanto, a preferência de Maluf pela Folha nesta eleição.

É papel da reportagem investigar a formação da equipe que deverá administrar a cidade. O ponto é saber se a apuração tem consistência. Tendo a achar que a matéria sobre o secretariado está furada, mas só o tempo dará resposta definitiva.

A questão do debate ficou suspensa em palavra contra palavra. Marta sustenta que jamais assumiu o compromisso de comparecer.

Seja qual for a credibilidade de Maluf, a alegação de que teria recebido informação privilegiada deixa em posição incômoda tanto o jornal quanto o Datafolha.

Sobre o editorial, sua tarefa era das mais ingratas: explicar e defender o compromisso do jornal com o apartidarismo em meio a uma convergência sem precedentes de apoios à candidata do PT, na qual o leitorado da Folha deverá votar em peso neste segundo turno.

Era quase impossível que esse texto, publicado dias depois de o "Estado" recomendar o voto em Marta, não soasse defensivo.

Encerrando a lista, não vejo o que discutir no caso do falso sequestro, "escada" para os bordões contra a suposta tolerância de Marta com bandidos.

A história ficou escondida em um pé de página. Intencional ou não, a falha teve um único beneficiado.

Mais do que essa ou aquela acusação, é o "conjunto da obra" que justifica a percepção pró-Maluf manifestada à ombudsman.

Dois fatores explicam esse quadro. Um está do lado do leitor. Dadas as características da atual disputa em São Paulo, não era equilíbrio o que muitos esperavam, e sim engajamento na campanha de Marta.

Isso não ocorreu e nem deveria ter ocorrido. O apartidarismo é princípio arraigado na história da Folha, ainda mais importante de ser preservado no momento em que se multiplicam na mídia as adesões à provável vencedora.

Mas, como foi dito no próprio editorial, não é correto confundir apartidarismo com omissão. É aí que reside o segundo problema, este do lado do jornal.

Pois é exatamente omissão que o leitor enxerga em reportagens que tratam desiguais de maneira igual, abdicando do dever de qualificar as questões em jogo na campanha.


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