Folha de S. Paulo


Reboque eleitoral

A 42 dias das eleições municipais, o que se lê na Folha sobre o assunto pode ser dividido em quatro itens:

a) pesquisas de intenção de voto;

b) relato do que vai aparecer no horário político da TV;

c) relato do que já apareceu no horário político da TV;

d) pesquisas para saber o que as pessoas acham do horário político na TV.

Mesclado aos itens "b" e "c" costuma vir o registro das atividades de rua dos candidatos. Em resumo, é isso.

Título principal de quarta-feira passada: "Eleição começa a ser decidida hoje em série de 38 programas de TV até setembro". Se a função do enunciado é comunicar o que vem a seguir, não se pode reclamar deste, tão longo e desprovido de novidade quanto o conjunto da edição.

Esta não é a primeira eleição em que a TV ocupa lugar de destaque na cobertura. Mas, a julgar pelos últimos dias, parece que se passou do estágio de pinçar notícia e comentar os programas para o de simplesmente contar o que eles mostram, como é feito com os capítulos de novelas no TV Folha.

A diferença é que no caderno dominical um parágrafo tem de dar conta de todos os romances, traições e doenças da semana. Já o Folha Eleições usa três textos para dizer que o combate à corrupção é o tema prioritário de Marta Suplicy e outros três para constatar que o medo da violência é a tônica do programa de Paulo Maluf.

Sem dúvida é necessário acompanhar o que se passa na televisão, mas ninguém precisa do jornal para saber que o horário eleitoral é "considerado a única esperança de viabilizar as candidaturas de Geraldo Alckmin e Romeu Tuma", outro bordão do noticiário. Descontada a eliminação física dos favoritos, que outra esperança poderia haver?

À dependência da TV se soma a verificada em relação às pesquisas. E, como vai longe o tempo em que somente a Folha as publicava com regularidade, intenção de voto não é mais o bastante para se diferenciar dos concorrentes. Agora o jornal também considera notícia de peso as opiniões de eleitores sobre a propaganda na TV.

Título principal de quinta-feira: "Programa de Alckmin é o mais aceito, diz pesquisa; Marta e Tuma vêm em seguida". Baseada exclusivamente no primeiro dia de horário eleitoral, a conclusão é tão frágil e tão gratuitamente simpática a um dos candidatos que na chamada de capa se optou por uma solução mista: "Alckmin, Marta e Tuma agradam mais na TV". E daí?

Encantado feito criança diante de um novo pokémon, o jornal explicou que na primeira etapa "os entrevistados usam um aparelho para manifestar agrado ou desagrado com o que aparece" na tela. Na segunda, com um moderador, o grupo discute o que assistiu.

Apesar do esforço didático, a Folha não informou quem fez o levantamento, nem quantas pessoas foram ouvidas, omissão observada por mim na crítica interna. O esclarecimento veio no dia seguinte: 60 entrevistados pelos institutos Interativa e ComSenso, sob supervisão do Datafolha.

Veio também, no meio de um texto, o alerta de que o universo de participantes "não representa o total de eleitores da cidade", e que portanto "a leitura dos resultados tem de ser cautelosa".

A ressalva não impediu o jornal de dar mais uma cabeça de página, com enunciado quase gêmeo ("Alckmin é bem-aceito após estréia na TV"), à mesma pesquisa de um dia de horário eleitoral, desta vez para registrar as declarações dos entrevistados na segunda etapa (na quinta-feira havia saído o número de pontos obtidos pelos candidatos no aparelho).

O problema não é utilizar esse gênero de informação em reportagens, mas sim dar tamanho destaque a algo que permite, na melhor das hipóteses, "identificar tendências de opinião nos grupos sociais que os entrevistados representam".

Não é preciso ir longe para descobrir que a visibilidade exagerada logo se transforma em coisa pior. No final da tarde de sexta-feira, o site de eleições da Folha Online trazia, sob uma foto de Alckmin, o título "O melhor na TV" e a informação de que o resultado fora obtido "em pesquisa realizada pelo Datafolha".

Tudo somado, não é de estranhar que leitores tenham me procurado para acusar o jornal de favorecer o candidato tucano.

Talvez eu decepcione partidários dessa tese, mas a questão me parece ser de outra natureza. Falta rumo na cobertura. Sem ele, o acessório é tratado como essencial e acaba produzindo a sensação descrita pelos leitores.

A encruzilhada do noticiário não vem de hoje nem é gratuita. Está ligada a transformações nas próprias campanhas eleitorais, cada vez mais formatadas a partir de pesquisas e em função da TV.

É natural que a Folha responda a essa realidade, mas isso não é o mesmo que abdicar de ter pauta própria. No momento, cabe perguntar se o jornal, além de publicar resultado de pesquisas e monitorar a televisão, tem algo a oferecer ao leitor.


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