Folha de S. Paulo


Os negócios de EJ

Na segunda-feira passada, quando retornei de uma quinzena em férias, o caso TRT havia mudado de nome.

Ao colocar em dia a leitura do rebatizado caso EJ, encontrei em jornais e revistas repetidas menções à integridade do presidente da República e à implausibilidade da idéia de que soubesse das atividades de Eduardo Jorge.
FHC, li sucessivas vezes, está constrangido diante do elo descoberto entre o ex-secretário-ge­ ral da Presidência e o foragido juiz Nicolau dos Santos Neto.

Tamanha insistência nessa tecla faz pensar em duas coisas. A primeira é que, na era tucana, a inocência presumida foi substituída por algo que poderia ser chamado de "inocência por definição".

À diferença do princípio anterior, este não atinge a todos, nem traz consigo o complemento "até prova em contrário". Os que a imprensa elege inocentes por definição estão a salvo até mesmo da curiosidade jornalística.

O refrão da honra presidencial suscita também uma pergunta simples: e daí? Seja como for, os negócios conduzidos por EJ no Palácio do Planalto não são "questão individual". Ao contrário do que disse Fernando Henrique, são problema do governo.

Outros indícios da "operação abafa" colhidos no noticiário:

1. A tese de que as responsabilidades estariam zeradas no que diz respeito ao TRT, já que o Congresso, PT incluído, também pediu dinheiro para a "obra superfaturada mais famosa do Brasil", nas palavras involuntariamente cômicas de uma reportagem de domingo passado.

Tudo a favor de cobrar explicações dos parlamentares, mas isso não diminui o papel do Executivo, que abriu o cofre.

2. O discurso de reprovação à fita divulgada pela "Isto É", o grampo que não era grampo.

A suspeita de que a gravação tenha sido armada pelo senador cassado Luiz Estevão deixa a revista em situação no mínimo desconfortável. Daí a agir como se esse material fosse o único a indicar a conexão Nicolau-Estevão-EJ vai enorme distância.

3. O lamento na linha "justo agora que a economia andava bem" e a advertência sobre suposta ameaça às instituições, esta a mais antiga das conversas quando se trata de varrer escândalos para debaixo do tapete.

Os defensores dessa idéia estão em boa companhia. Basta lembrar que, na véspera da cassação de Estevão, Eduardo Jorge saiu da sombra para declarar à Folha que a decisão representava "risco para a democracia".

Em meio a tanto diversionismo, a Folha conseguiu fazer uma diferença importante, apesar da escassez de resultados de suas investigações até o momento.

Falo primeiro da escassez. Desde 6 de julho, quando a entrevista de EJ ao "Valor" deu nova dimensão ao caso do tribunal paulista, a Folha patina. Mais de uma vez teve de recuperar desdobramentos revelados por concorrentes sem nada lhes acrescentar.

No entanto, cabe ao jornal o mérito de ter desmontado a ficção divulgada pelo Planalto na tentativa de neutralizar os efeitos da entrevista.

Não foi obra de exclusividade, mas de disposição editorial. Todos tiveram a informação, destacada apenas nas capas de "Jornal do Brasil", "Correio Braziliense" e Folha.

E somente esta deu em manchete, com todas as letras, que FHC havia assinado pedido de suplementação de verbas para a obra do TRT. Assim ruiu a versão de que o governo tinha passado longe do malfadado prédio.

Esse tipo de cobertura envolve riscos opostos. De um lado, o de acusar sem fundamento. De outro, o de fazer o jogo oficial. Ainda que ambos mereçam a mesma atenção, a experiência mostra que o segundo erro é cometido com mais frequência.

Quem embarcou no faz-de-conta das notas do Planalto se deu mal. Quem insistir em reportar apenas a roubalheira no tribunal poderá ser atropelado pela notícia.

*

No ano que vem, quando terminar meu período como ombudsman, terei de agradecer a algumas pessoas que me ajudaram, com muita generosidade, a refletir sobre as questões deste trabalho. Como não será possível agradecer a Aloysio Biondi, deixo registrado o meu.


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