Folha de S. Paulo


Depois do ônibus

"Ele ainda saiu vivo do local." Era Sandro do Nascimento, o bandido que manteve reféns sob mira de revólver e repetidas ameaças na segunda-feira passada, em um ônibus, na zona sul do Rio.

A frase destacada acima surgiu no último parágrafo do texto que abriu a cobertura da Folha no dia seguinte. Não estava errada, mas de certo modo perdia o ponto da história.

O "ainda" transmitia a idéia de que Sandro teria começado a morrer na rua, atingido pelos tiros que marcaram o fim do se­ questro. As fotos, no entanto, mostravam-no bem vivo, 100% vivo, quando foi levado pelos policiais.

Outros jornais pontuaram seus relatos com algumas pistas. Um observou que Sandro foi visto andando. Outro colocou em dúvida que ele tivesse sido baleado.

Não se trata de julgar, a partir de uma única frase, o desempenho da Folha no caso da semana. Ele não foi especialmente bom, mas também não foi ruim.

A frase é detalhe que ajuda a iluminar um problema. Sua formulação, assim como a ausência de informações que a complementassem, sugere que o jornal teve dificuldades para identificar, no calor do momento, a segunda notícia desse episódio.

A primeira estava no ônibus: as quatro horas de terror que terminaram com a morte da refém Geísa Firmo Gonçalves. Impossível não enxergar a primeira notícia. O país inteiro a acompanhou pela televisão.

A segunda notícia estava den­ tro do camburão. Ali não houve TV.

Uma leitora me procurou para criticar referência feita a Anthony Garotinho na capa da Folha de terça-feira. Depois de resumir o acontecido e registrar a manifestação do presidente da República, o texto dizia que o desfecho do sequestro, embora não tivesse agradado ao governador do Rio, foi considerado por ele "o melhor possível".

"Fiquei indignada quando li a declaração", contou a leitora. "E mais indignada fiquei ao descobrir, na reportagem interna, que o governador fizera a afirmação antes de saber da morte da refém, o que, convenhamos, é bas­ tante diferente.

" Ela fez questão de esclarecer que não é eleitora de Garotinho. Ainda assim, considera "absurdo" omitir o contexto em que a frase foi pronunciada. Muitas vezes, pondera ela, quem tem pressa se fia exclusiva­ mente na primeira página para tirar suas conclusões.

A leitora está certa. Como de hábito em episódios que monopolizam a atenção do público, não faltaram declarações infelizes e/ou oportunistas de autoridades, Garotinho incluído. Isso não autoriza o jornal a contar da história apenas a parte que lhe parece mais chamativa.

Quem faz sondagens de opinião pergunta o que quer, mas deve estar preparado para ouvir as respostas. Se o jornal gosta de pesquisas, tem de ser transparente na hora de apresentar os resultados.

Na quinta-feira, a capa da Folha fez o certo ao registrar, ao lado da informação de que 54% dos paulistanos reprovaram a conduta dos policiais que mataram o sequestrador no camburão, o contraponto de que parcela expressiva dos entrevistados (41%) aprovaram a ação.

Já a capa do caderno Cotidiano errou ao destacar o primeiro percentual acima de sua manchete e nem ao menos incluir o segundo na reportagem. Ele ficou perdido no meio dos gráficos. Ainda que a reprovação tenha conseguido maioria, é possível argumentar que a aprovação tão elevada seja até mais notícia. Na mesma linha, o texto enumerou vários dados menos significativos antes de relatar, no último parágrafo, o apoio majoritário (67%) à polêmica proposta de usar o Exército no combate à violência urbana.

Ao fazê-lo, o jornal cuidou de assinalar que o apoio se dá "em especial entre os que concluíram apenas o 1º grau e entre os que ganham até dez salários míni­ mos".

Dependendo das convicções de cada um, pode-se lamentar ou festejar esses resultados, mas não é caso de escondê-los.


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