No futuro próximo ou distante, alguém vai procurar, nos arquivos da Folha, o noticiário sobre a queda do prefeito de São Paulo.
Descobrirá que, no dia em que a Justiça decidiu afastar Celso Pitta do cargo, o jornal amanheceu com o novo salário mínimo na manchete.
Salário mínimo que todo ano gera a mesma discussão, com os mesmos personagens e desfecho idêntico: o menor reajuste que o governo tiver condições políticas de conceder. Assunto importante, mas sem surpresa. Havia dias era conhecido, se não o valor exato, algo muito próximo do que foi anunciado.
Dos jornais de São Paulo, a Folha foi praticamente o único a não abrir sua edição de sexta-feira passada com a perspectiva de decisão sobre o futuro de Pitta. Fez isso embora na noite anterior quase tudo levasse a crer que o juiz havia considerado consistente a argumentação dos promotores.
Um dado torna o pouco caso mais surpreendente. Sem subestimar o efeito da entrevista de Nicéa Pitta à Globo, nem o do depoimento de seu filho ao Ministério Público, o fato é que o afastamento resultou de ação baseada em duas revelações da Folha e em outras duas, anteriores, do "Agora", diário do mesmo grupo (uma delas saiu na "Folha da Tarde", antecessora do "Agora").
As quatro histórias:
a) o superempréstimo do empresário Jorge Yunes ao prefeito, cerne da ação por improbidade administrativa, descoberto por Roberto Cosso em agosto de 1998;
b) mudança aprovada pela prefeitura valorizando imóvel de Yunes, revelada pelo mesmo repórter em abril de 1999;
c) existência de quatro parentes do empresário entre os funcionários "fantasmas" da Anhembi Turismo, levantada por Lilian Christofoletti na mesma época;
d) projeto de Pitta para alterar o zoneamento da cidade beneficiaria, caso implementado, imóvel de Yunes (mesma repórter, mesma época).
É curiosa a dinâmica do caso Pitta. O clima criado pelas acusações de Nicéa, ampliadas no relato de Victor aos promotores, acabou por jogar nova luz sobre histórias que já haviam frequentado o noticiário.
A Folha, que tantas vezes faz alarde sobre méritos discutíveis, desta vez parece que não percebeu o quanto seu trabalho havia contribuído para o desenrolar do escândalo municipal.
Ontem, é lógico, o pacote veio completo: capa de impacto, páginas e mais páginas, cronologias e explicações. Com o prefeito afastado do cargo e desaparecido, era impossível fazer menos.
Vingando ou não um eventual recurso de Pitta para permanecer no Palácio das Indústrias, o certo é que faltou ao jornal sensibilidade para perceber a temperatura dos acontecimentos na semana que passou.
A sexta-feira foi o sinal mais evidente do problema, mas não o único. No dia anterior a Folha havia subestimado totalmente o impacto do depoimento de Victor. Carente de informações, a reportagem ficou perdida em uma edição que privilegiou histórias exclusivas, mas de menor importância.
Uma coisa é manter a cobertura equilibrada, livre de torcidas. Outra, muito diferente, é voltar as costas para a notícia.
Se o jornalismo é um registro taquigráfico da História, como define o projeto editorial, então as anotações recentes da Folha vão precisar de revisão.