Os jornais afirmaram em uníssono que a queda de Andrea Calabi, tornada pública na noite de terça-feira, estava acertada havia pelo menos uma semana entre o presidente da República e o ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, superior hierárquico do presidente do BNDES.
Se isso é verdade, então poucas vezes a imprensa esteve tão por fora da iminência de uma demissão no governo FHC. Podia saber dos atritos entre Calabi e Tápias, mas não previa o desfecho e muito menos a data.
Para comprovar, basta percorrer as primeiras edições dos jornais de quarta-feira (vazada tarde da noite, a informação pegou as rodagens já iniciadas). Não havia reportagem nem nota de bastidor a dar sinal, ainda que incompleto, da notícia da véspera.
Tão surpreendida quanto todo mundo, a Folha se virou como pôde para incluir o relato da degola no maior número possível de exemplares. A operação deu conta de toda a edição paulistana.
O enunciado da manchete ("Tápias pede a demissão de Calabi") não foi dos melhores. Menos assertivo que o de outros diários, dava um ar de situação em aberto a algo que naquela altura era fato consumado. "Ficou amanhecido", criticou um leitor.
A reportagem não ficou. Dizia com todas as letras, na primeira frase, que Calabi já estava fora. Mais importante, o jornal conseguiu antecipar o nome do substituto, Francisco Gros.
Para se refazer da surpresa, a Folha trouxe na quinta-feira uma edição caudalosa: oito páginas sobre a troca, suas causas e consequências. Ainda que várias delas contivessem anúncios, o espaço me pareceu um tanto exagerado.
Mesmo levando em conta a importância estratégica do BNDES e os reflexos da mudança sobre a disputa de 2002 (o refrão Malan ganha-Serra perde), é o caso de perguntar quantas páginas seriam necessárias para notícia mais importante (dá para imaginar várias).
Reconheço que é marca registrada da Folha ser extensiva nessas ocasiões de entra-e-sai no governo, e não vejo problema maior no fato de a cobertura ser grande quando ela também é boa.
Nesse dia, foi a melhor que li.
Mas acho que cedo ou tarde o jornal terá de refletir sobre esse modelo de edição, que em certa medida libera os jornalistas da necessidade de filtrar e costurar melhor as informações. "Refinar a capacidade de selecionar" é tarefa prevista no projeto editorial da Folha. Oito páginas sobre uma substituição de quase-ministro é coisa para ombudsman, que tem o dever de ler o jornal todo, ou para quem tirou o dia de folga.
A demissão da semana fez explodir o uso das palavras "monetarista" e "desenvolvimentista", sempre apresentadas em oposição uma à outra, e "nacionalista", empregada em parentesco com a segunda.
Em sua primeira explicação sobre o acontecimento, na manchete de quarta, o jornal disse que Tápias "estava contrariado com a atuação de Calabi, integrante do grupo "nacionalista". Cabe perguntar a que grupo pertence, ao menos em tese, o ministro do Desenvolvimento. Pouco importa. A questão é que o leitor se sente perdido.
Talvez seja impossível fazer jornal sem caracterizações desse gênero, por menos que signifiquem, mas seu uso indiscriminado serve menos para informar do que para confundir.