Folha de S. Paulo


Sexo (ou gênero) no cérebro

Não há cultura do planeta que não cultive estereótipos sobre as diferenças entre os sexos, aparentemente corroborados pela realidade. Se eu morrer e for para o inferno, por exemplo, tenho certeza de que ele será igualzinho a um feirão de roupas de Brusque (SC) onde passei três intermináveis horas quanto tinha 15 anos, enquanto minha mãe e minha tia pareciam estar se divertindo muito. Será que essas e outras supostas diferenças naturais entre homens e mulheres são reflexo de distinções mais profundas no cérebro?

A resposta curta é "não", afirma um estudo internacional publicado na semana passada na revista científica "PNAS". O diferencial da pesquisa foi comparar todas as regiões do cérebro e usar uma amostra grande para os padrões dessa área de estudo: imagens de ressonância magnética de 1.400 pessoas.

Liderada por Daphna Joel, da Universidade de Tel Aviv (Israel), e assinada também por colegas da Alemanha e da Suíça, a pesquisa inicialmente apenas mapeou e comparou as regiões cerebrais dos voluntários. Passo seguinte: identificar as áreas do cérebro que pareciam mostrar diferenças mais significativas entre o grupo dos homens e o das mulheres.

Sim, essas áreas existem –mas é muito comum que os extremos convivam dentro da cabeça da mesma pessoa. Exemplo grosseiro: um sujeito com áreas ligadas ao raciocínio espacial muito desenvolvidas (em tese, coisa de homem) pode, ao mesmo tempo, ter áreas ligadas à empatia também hipertrofiadas (algo "feminino").

Mais ou menos metade dos participantes caíram nessa categoria de mosaico, ou seja, de cérebro com áreas "masculinas" e "femininas" muito misturadas. E só 10% deles tinham alta concordância entre as áreas (ou seja, um cérebro "só de homem" ou "só de mulher").

É comum que os adeptos de uma visão mais tudo-ou-nada sobre o tema invoquem a teoria da evolução como apoio. Para eles, faz todo o sentido, por exemplo, que os homens tendam mais à promiscuidade sexual, enquanto o sexo feminino prefira elos amorosos mais estáveis, basicamente porque espermatozoides são baratos e óvulos, caros: um macho humano só precisa de alguns segundos para gerar descendentes e dar no pé, enquanto as fêmeas da nossa espécie têm de encarar nove meses de gestação e intermináveis anos de cuidados com a prole.

Tudo isso pode de fato acontecer em muitos casos, mas tratar tal estereótipo como verdade gravada em pedra ignora outro ponto crucial: a dinâmica da evolução também trabalha com variabilidade.
Vale dizer: não existe uma única maneira de fazer as coisas. Entre a figura do machão e a da mocinha casadoira (como diziam antigamente), existem inúmeras possibilidades mais nuançadas de comportamento, que podem se dar um bocado bem, dependendo do contexto ambiental e cultural. Daí, talvez, a prevalência dos "mosaicos" masculino-femininos no cérebro.

É claro que nenhum estudo isolado é capaz de trazer respostas definitivas a respeito de um tema tão complicado. A coisa mais difícil do mundo é colocar os próprios preconceitos entre parênteses, por um instantinho que seja, e tentar ouvir o que os fatos têm a dizer –não para simplesmente se curvar a eles, mas para saber em que solo estamos pisando antes de decidir para onde queremos caminhar.


Endereço da página: