Folha de S. Paulo


Essa cantoria é um saco

Felizes eram os tempos de antanho, quando o troar das vozes dos bugios na mata suscitava apenas o inocente comentário "É sinal de chuva!" por parte daquele seu avô que morava na fazenda. Parece que a explicação mais correta para a cantoria da macacada não é meteorológica, mas... urológica, digamos.

Tudo indica que as árias emitidas pelos macacos mais barulhentos das Américas têm relação direta com o tamanho dos testículos dos bugios machos. É o que afirma equipe de pesquisadores coordenada por Jacob Dunn, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), em relatório publicado na "Current Biology".

Para ser mais específico, existe o que os biólogos chamam de "trade-off evolutivo" (grosso modo, uma espécie de cálculo –totalmente inconsciente, óbvio– de relação custo-benefício) entre o tamanho das gônadas dos machos e as dimensões de seu avantajado trato vocal.

As pregas vogais dos bugios podem alcançar comprimento quase três vezes superior às dos humanos, permitindo que os bichos, que pesam apenas 7 kg, emitam vocalizações tão potentes quanto as de um tigre.

Além das pregas, os bichos possuem todo um conjunto anatômico especializado para fazer o máximo possível de barulho, como o osso hioide (na região da garganta, como você deve ter imaginado) e a laringe muito aumentados em relação ao que se vê entre os demais primatas. Não é à toa, portanto, que nenhum caboclo que os ouve seja capaz de esquecer tamanha gritaria.

Como já existiam evidências de que gritos dos bugios estavam relacionados à competição entre machos de grupos rivais, Dunn e companhia decidiram examinar correlações entre a anatomia vocal e sexual dos bichos, de um lado, e a estrutura social dos bandos de bugios, de outro.

O interessante a esse respeito é que existe não apenas uma, mas pelo menos dez espécies de bugio, todas membros do gênero Alouatta, mas cada uma delas com aparência e hábitos ligeiramente diferentes. Em algumas delas, por exemplo, o padrão é que haja apenas um macho adulto por bando de macacos, enquanto outras (a exemplo das sociedades humanas, como sabemos) comportam a presença de mais de um macho maduro por grupo.

É nesse ponto que as correlações mais intrigantes surgiram. Ao medir a anatomia do osso hioide dos bichos, e também os seus testículos, os pesquisadores verificaram que, nas espécies com apenas um macho por bando, o aparato vocal dos bugios é proporcionalmente bem maior, enquanto os testículos eram relativamente bem menores. E o inverso vale para as espécies de bugios nas quais os machos convivem num mesmo grupo: potencial para a gritaria menor, testículos maiores.

Eis uma possível explicação para o tal "trade-off". Em certas espécies, a competição entre machos se resolve na base do canto. Depois de vencer o certame, o cantor tem todas as fêmeas do bando para si e pode se dar ao luxo de produzir pouco esperma.

Nas demais, só cantar não basta: é preciso ainda produzir o máximo possível de espermatozoides para competir com os de rivais caso a fêmea já tenha copulado com ele –daí os testículos maiores. Imagine o que o seu avô matuto diria de tudo isso.


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