Folha de S. Paulo


Esquerda ganha com pregação da direita xucra

Concluída a primeira etapa da Lava Jato, e a coisa vai longe, o que se tem é a absolvição moral do PT e a indistinção na lama de partidos, de políticos e de crimes. Desapareceu a centralidade dos "companheiros" na organização do assalto aos cofres e à institucionalidade.

Bem, como está mais claro a cada dia, isso é música aos ouvidos e demandas das esquerdas. Não se enganem: os manifestantes de quarta passada eram militantes profissionais. Mas a pauta que foi à praça pode ganhar capilaridade e chegar à população. E a conta será jogada nas costas dos políticos –aqueles mesmos, sem distinção, contra os quais a Lava Jato excita a fúria das ruas e das redes.

Vamos a um exercício elementar de "lógica histórica". É uma categoria que acabo de inventar não para designar eventos cuja repetição é a farsa da tragédia, mas para identificar "constantes sociológicas" (criei outra...). Vai aqui uma dessas constantes.

Sempre que as sociedades involuem para um discurso de ódio à política, de repulsa às elites, de aversão ao "statu quo", tem-se o rebaixamento da ordem democrática. Trata-se de um salto para trás, à esquerda ou à direita. A literatura a respeito é vasta, e o interessado deve começar por textos sobre "teoria (ou teorias) das elites". O ponto de partida, não de chegada, é o italiano Vilfredo Pareto. Tanto os políticos do passo como os do paço deveriam estudar, botar a cachola para malhar. É um hábito saudável. Ou o cérebro cria músculos.

Como devem saber os leitores deste escriba, e o arquivo está à disposição nesta Folha, nunca fui um fanático da Lava Jato, a exemplo de alguns colegas "das direitas" –há muitas.

O fato de a investigação empreendida pela operação ter colaborado para o impeachment de Dilma e para evidenciar uma roubalheira pantagruélica nunca me fez descuidar do estado de direito, aviltado em várias circunstâncias. E eu as apontei nesta coluna e em todo lugar, sem indagar se o aviltado era empreiteiro, político, petista ou antipetista.

É lamentável, mas nada surpreendente, dada a musculatura cerebral dos mais salientes, que as tais "direitas", com as exceções de praxe, tenham se tornado reféns de uma força que não se contenta, nos limites que lhe conferem as leis, em combater a corrupção.

De forma explícita, Janot diz em uma carta cabotina, abalofada por autoelogios, com laivos de messianismo, que a tarefa do MPF é a "depuração do processo político nacional". Como é? Ele se candidata a ser o nosso Santo Inquisidor? A Lava Jato é agora o Tribunal do Santo Ofício? Onde serão realizados os Autos de Fé? "Ah, não exagere, Reinaldo!" Claro que não exagero. Alguém poderia me dizer que diploma legal confere ao MPF o papel de depurador da política?

Conservadores vários seguem a caravana porque entendem que a força-tarefa, afinal, fez aquilo que eles não conseguiram: depor e desmoralizar o PT. E agora ensaiam a tese da "Frente Ampla de Direita", que comportaria até os fascistoides e xucros, para enfrentar a esquerda (re)nascente. Bem, o petismo, para mim, nunca foi ou o extremo da distopia ou a expressão única daquilo que repudio em política. Estou tão próximo de um bolsonarista, por exemplo, como de um militante do PCO.

Corrijo: um militante, ao menos, do PCO que conheço já leu livros de respeito. O que faz com eles é outra coisa. Bolsonaro, claro!, não tem o que fazer com os livros que não leu.

De resto, como ignorar? Há um grande risco de a Lava Jato ser o caminho mais longo, mais caro e mais traumático entre a esquerda e a... esquerda! Se isso acontecer, convém não desprezar a colaboração da direita xucra, com sua pregação, nas redes sociopatas, contra a política e os políticos.

Será o seu Bebê de Rosemary.


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