Folha de S. Paulo


A degeneração da Lava Jato, com apoio da direita, ressuscita Lula

Pesquisa CNT/MDA divulgada nesta quarta aponta que Lula (PT) e Marina Silva (Rede) disputariam o segundo turno se a eleição fosse hoje. O petista venceria. Quem me acompanha sabe que não me espanto nem me surpreendo.

A forma que tomou a Lava Jato, levando a grei política ao patíbulo e concedendo penas de três anos a bandidos transformados em delatores nababos, não poderia resultar em coisa melhor. Antevi isso com a bola de cristal da lógica elementar.

Ainda é cedo, claro! Mas uma sociedade diz alguma coisa de si mesma, do processo político e do futuro quando uma média de 30% dos eleitores, mesmo depois de tudo, está com Lula. E poderia ser diferente? A indignação com a corrupção e os desmandos do PT degenerou depressa em moralismo tacanho, em ódio à política, em contínua depredação de procedimentos mesmo os mais corriqueiros da atividade. Se todos são mesmo iguais, então Lula é melhor.

O PT está morto, observei aqui certa feita, "como ente de razão" apenas, como tentativa de um imperativo categórico, como formulador de uma visão de mundo que se queria holística –haveria, nessa perspectiva superada, um modo petista de estar no mundo.

Mas continuam vivas as demandas que o alimentaram nesse tempo. Ainda que o partido morresse como corpo físico, sobraria o espírito, que trata de redenção, não de reforma (como a Lava Jato, diga-se!).

Trata-se da única gesta bem-sucedida que temos do "empoderamento (argh!) do oprimido". Não é algo que deva ser ignorado, como tem feito a direita xucra.

A esquerda está, sim, combalida. Ocorre que a sobrevivência eleitoral daquilo que Lula representa depende menos das pantomimas da companheirada do que da espantosa combinação de ignorância e voluntarismo de correntes que se alinham à direita.

Algumas falhas de nossa formação se revelam de forma dramática. Temos autoproclamados liberais que se mostram incapazes de defender, num regime democrático, o Estado de Direito. Ao contrário: cedem ao alarido dos que querem enforcar o último deputado com a tripa do último senador. Se, na fantasia de esquerda, uma certa "elite" rapace responde por todos os males do Brasil e dos brasileiros, para essa direita tosca, o inimigo são os "políticos".

Talvez a Justiça impeça Lula de ser candidato. Se for da lei, cumpra-se. Mas meu rigor não contenta. O tribunal faria, nesse caso, o que boa parte do povo não queria que fosse feito. Só um imbecil se daria por satisfeito.

E, bem, nestes dias em que Constituição, leis, instituições, códigos e normas valem menos do que uma ficha de orelhão, parece razoável que o esquerdista Roberto Barroso tenha cedido à reivindicação de grupos conservadores e decidido, pela via cartorial, sem passar pelo Congresso, mudar as garantias do Foro Especial por Prerrogativa de Função, que se chama, por aí, de "privilegiado".

O homem é destemido. Acha a vaquejada inconstitucional. Ele se compadece com o rabo da Mimosa. Decidiu que feto até o terceiro mês vale menos do que um rabo –o da Mimosa. E quer legalizar todas as drogas. É o homem-agenda. Com ele, nada de Congresso e voto. Vai tudo no tapetão.

Ah, em tempo: alguém pode dizer que, ruim como é, o governo Temer é que deve ser responsabilizado pela eventual ascensão da esquerda. Discordo. Dado o que herdou e o que conseguiu realizar até agora, o governo é bom. De resto, Lula não está forte porque esquerdista, mas porque populista. Em certa medida, poderia ser Bolsonaro –que disputa o segundo lugar com Marina.

O populismo de direita, associado ao lava-jatismo, é que está minando a credibilidade da atual gestão e ressuscitando a esquerda. Afinal, conservadores que não buscam preservar nem as instituições hão de conservar o quê?

Não sobra nem o juízo.


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