Folha de S. Paulo


Três poderes devem dar uma resposta rápida para crise nos presídios

Depois de alguma hesitação, o governo federal parece ter-se dado conta do que está em curso no país. As rebeliões nos presídios não constituem apenas uma ameaça à segurança pública -e isso já seria grave o bastante. A questão é, sim, de segurança nacional. A barbárie agride as instituições, os fundamentos do Estado democrático e um padrão mínimo de civilidade do qual não podemos abrir mão. O que estamos dispostos a fazer em nossa defesa?

O governo federal tem se comportado de modo adequado nestes 20 dias da fase mais aguda da crise. A propósito: se alguém esconde uma grande ideia que consiga conjugar mais eficiência com ainda mais rapidez, que não se faça de rogado. Até porque o que se tem até agora é muito pouco quando nos damos conta do atraso no setor. Os enfezados de hábito estão certos na sua preguiça de pensar: nenhuma das medidas adotadas vai "resolver" o problema. Então é preciso dizer o que resolveria.

O país em que presos são mortos e estripados por seus pares assiste, algo inerme e conformado, a mais de 50 mil homicídios por ano. O Brasil mata mais do que qualquer das guerras em curso no mundo. As organizações criminosas que dominam as cadeias também tiranizam morros e periferias.

Chegaram ainda mais longe. Nas eleições de 2016, à sombra de togados do STF -que proibiram a doação de empresas a campanhas eleitorais-, as organizações criminosas elegeram prefeitos e vereadores nas vastas solidões morais de Banânia. E não estou aqui a falar apenas dos grotões. Setores do Judiciário, e o noticiário está à disposição, já foram expostos ao mal.
Os Estados, com uma exceção aqui e outra ali, falharam miseravelmente na tarefa de garantir a segurança pública. A omissão da União, nessa matéria, é histórica. E, em seus atos iniciais, o presidente Temer parece disposto a romper o padrão. Tomara que seja verdade. E que não lhe falte ousadia.

Avener Prado/Folhapress
Presos ocupam telhado do presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte
Presos ocupam telhado do presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte

Considerados os mandados de prisão por cumprir, o deficit prisional do Brasil se aproxima de 700 mil vagas. Sem eles, de 300 mil. No primeiro caso, a conta fica em torno de R$ 45 bilhões; no segundo, de R$ 18 bilhões. Refiro-me ao custo da construção de presídios. Depois será preciso inserir a sua gestão nos gastos correntes. Esse dinheiro não existe.

A esquerda estúpida tem uma resposta para a crise: "Abram-se as portas das cadeias; o Brasil prende demais!". A direita estúpida tem uma resposta para a crise: "Os presos que se matem; não é problema nosso!". Jamais ocorrerá à esquerda estúpida que o país dos 50 mil homicídios prende é... de menos! Jamais ocorrerá à direita estúpida que a guerra dentro dos presídios reflete a disputa das facções pelo mercado do crime que está além daqueles muros.

O governo tem de conversar com a sociedade, por intermédio dos seus representantes, para definir de onde sairão os recursos bilionários que vão devolver os presídios à ordem legal. Um imposto? Uma percentagem dos fundos públicos? A ver. Mais: é preciso criar uma autoridade federal para cuidar do assunto, com um mandato conferido pelo Congresso Nacional.
Há dias me ocupo deste aspecto e o deixo registrado mais uma vez, agora na Folha: assim como temos uma lei, ainda que frouxa, contra o terrorismo, há de haver uma outra que puna, com especial rigor, o "crime de facção", do qual se ocuparia um juizado especial.

Os três Poderes da República, aviltados pela ousadia dos criminosos, têm de dar uma resposta para preservar a democracia. E tem de ser agora, não depois. O principal risco que corremos hoje é o estabelecimento de uma "pax" com as facções. Que Temer não caia nessa tentação.

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