Folha de S. Paulo


Não darei a demiurgos da Lava Jato os seus dez meses de Terror Salvacionista

Acho estranho que achem estranho que eu tenha críticas a fazer à Lava Jato. E não são novas. Como isso é possível? Justo o cara que criou os termos "petralha" e "esquerdopata"? Justo aquele que bate no PT desde Santo André, quando Celso Daniel ainda vivia? Alguns chegam a ver nisso uma regressão trotskista... Então não enxergo em Sergio Moro e em Deltan Dallagnol, respectivamente, os inimigos nº 1 e nº 2 de Lula, do PT, da "corja toda", como dizem por aí?

Pois é...

O PT é pequeno e tem uma importância só episódica no conjunto de elementos que formam minhas convicções e minhas prefigurações. Não me opus ativamente ao partido –recorrendo apenas à escrita, nunca à militância política– porque o PT se chama PT. Com as mesmas características, a legenda teria igual perfume caso se chamasse "Rosa".

Tampouco me incomoda a figura de Lula, que tanto rancor desperta na extrema-direita boçal: porque operário na origem, porque supostamente ignorante, porque nordestino, porque padece de idiopatia gramatical, porque é eneadáctilo... A propósito: Geddel Vieira Lima tem dez dedos.

Lula ainda é uma das maiores inteligências políticas do Brasil. Sua trajetória prova isso. De resto, nunca foi esquerdista. Tampouco fez um governo de esquerda. O que matou o PT foi o misto de populismo e roubalheira. O primeiro levou a economia para o buraco. A outra minou-lhe a reputação. E, sim, era Lula o chefe inconteste da equação.

Ao longo do tempo, opus-me à incompetência do PT; aos malfeitos; ao autoritarismo; ao uso descarado do Estado em benefício do partido e de seus asseclas; ao capitalismo de compadrio; à tutela crescente do Estado sobre a sociedade; às agressões às liberdades individuais praticadas por milícias disfarçadas de movimentos sociais; aos ataques à imprensa e aos jornalistas independentes, financiados com verba estatal –uma arquitetura originalmente concebida por Franklin Martins– e ao uso do dinheiro público para eleger os "campeões" do empresariado nacional.

Causavam-me ainda repúdio a contaminação ideológica de organismos de Estado como Ministério Público, Defensorias e Judiciário; a transformação das universidades públicas em aparelhos do partido; a permanente crispação que buscou dividir o país entre "nós" (eles) e eles (nós); a determinação de eliminar os adversários, não apenas de vencê-los; as ações concretas e objetivas que buscavam instaurar, na prática, um regime de partido único no país, ainda que as siglas fossem se multiplicando.

Jamais advoguei a criação de instrumentos de exceção para combater essa legenda. Nem quando a sua hegemonia chegou a ameaçar conquistas democráticas. Sempre apostei na luta política.

Eu me opus àquele concerto de pessoas e forças porque sou um liberal. Logo, sendo quem sou, não teria como condescender, por exemplo, com ao menos quatro das dez medidas com que o MP pretendia combater a corrupção (eram fascistoides). Defendo ainda sem reservas o projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade e demonstro meu inconformismo sempre que a força-tarefa vai além do que lhe faculta o Estado de Direito.

Não darei a demiurgos os seus dez meses de Terror Salvacionista. Já tiveram a chance de dizer a que vieram, durante a Revolução Francesa, entre setembro de 1793 e julho de 1794. Não foi bacana. Meu apoio à Lava Jato, nos limites da lei e da Constituição, é incondicional.

Meu liberalismo não admite um período de autoritarismo profilático. Liberalismo assim é coisa de abestado.

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