Folha de S. Paulo


Reação à entrevista de membro do MBL prova que a esquerda transa mal

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 05-10-2016, 15h00: LIDER OCULTO DO MBL. Retrato de Pedro Ferreira, fundador do MBL que nunca topou aparecer em imagens como lideranca do movimento. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO FSP***
Pedro Ferreira, fundador do MBL (Movimento Brasil Livre)

A Folha publicou na sexta passada (7) uma entrevista com Pedro Augusto Ferreira Deiro, um dos fundadores do MBL (Movimento Brasil Livre). Quando ele não está debatendo reforma da Previdência ou a PEC do teto de gastos com seus pares, é porque se encontra no palco como Pedro D'Eyrot, membro do Bonde do Rolê, que junta funk, música eletrônica e pop.

E há dois outros ingredientes na mistura: ironia e humor, produtos cada vez mais escassos num país obscurecido por ignorâncias de esquerda e de direita. E não que a virtude esteja no meio. Nunca está. No meio, sempre há um acerto condescendendo com um erro.

Na entrevista, Pedro cravou a expressão "direita transante", que incendiou as redes sociais. Caetano Veloso, claro!, demonstrou algum interesse pela coisa, saudando um desejável ambiente de pluralidade. Lembrou a tacanhice pregressa da esquerda em matéria de comportamento. Foi o fascismo juvenil e anti-intelectualista de 1968 que fez com que o esquerdismo passasse a se confundir com um libertarismo.

Do ponto de vista teórico, aqueles "assaltantes do céu" nada deviam ao marxismo. Não por acaso, os ortodoxos os consideravam uns degenerados. E, do ponto de vista da teoria revolucionária, eram mesmo.

Foucault, um filho de 68, viu, cheio de entusiasmo, palpitações homoeróticas na revolução islâmica do Irã. O Ocidente capitalista lhe parecia o triunfo da vigilância e da punição. Os aiatolás venceram e mandaram pendurar os homossexuais em guindastes, em praça pública, para servir de exemplo. Depois foram pegar os comunistas. Foucault era esquerdista e gay.

Pedro é um cara inteligente, articulado, talentoso. O MBL está contribuindo –muito mais do que percebeu a imprensa– para mudar o Brasil. Essa história ainda está para ser contada. Não tentarei conferir altitude teórica a uma expressão que ele criou, coisa que nem o autor pretendeu. Eu o conheço há um bom tempo já e não vejo nada de especioso nos dois "Pedros" que não há. Eles são um só. Nem antagônicos nem complementares. Não são metades que se chocam ou que se completam.

O que me interessou foi a reação de setores da imprensa e das redes sociais, como se a tolerância, o experimentalismo, o antidogmatismo, o apreço pelo contraditório e pelo divergente fossem apanágios da esquerda. Essa suposição contraria os fatos. Em que momento da história a rigidez estética ou comportamental, por exemplo, foi uma imanência do pensamento liberal? Ou por outra: quando foi que o fascismo, de esquerda ou de direita, condescendeu com o dissenso? Nunca e nunca.

A propósito: onde vocês imaginam ser maior a vontade de ordenar a realidade segundo uma concepção bastante rígida do que sejam o bem e o justo? No MBL ou no MTST? O mundo de Milton Friedman é "transante". O de Slavoj Zizek enxerga virtudes no terrorismo.

A reação de surpresa com a expressão "direita transante" supõe, contra a história, que a esquerda detém não apenas o monopólio da verdade, mas também o da vida de afetos e anseios de justiça. Para lembrar a crítica que os católicos faziam aos existencialistas, nós também nos deixamos comover com o sorriso de uma criança ou com o sofrimento dos velhinhos. A gente só toma o cuidado de não transformar esse desvelo numa categoria de tal sorte absoluta que aniquile com as contas públicas.

A matemática é transante. Comam e depois contem pra todo mundo.

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