Folha de S. Paulo


E se Dilma sair? E se ficar?

Aqui e ali, as forças minoritárias do governismo, hoje majoritárias na imprensa, especialmente nas TVs, pretendem silenciar as maiorias que pedem a saída da presidente Dilma Rousseff com uma pergunta que lhes parece definidora: "Ah, é? Se ela sair, o que vem depois?" Eu também tenho uma questão: "E se ela ficar? O que vem depois?" Eis o ponto.

A primeira indagação tem múltiplas respostas a depender das circunstâncias. A segunda tem uma só: mais do mesmo, mas em queda. Caso a presidente venha a ser impichada, Michel Temer assume. Se a chapa for cassada pelo TSE –um processo longo– o chefe do Executivo será eleito diretamente ou pelo Congresso, a depender de quando se dê o duplo impedimento. Em qualquer hipótese, o custo da transição será menor do que o da conservação do nada.

Não se trata de flertar com experimento de nenhuma natureza. O país tem respostas institucionais para as hipóteses de queda da presidente. O que nos joga na desolação e no incerto é a continuidade do governo.

E que se note: não advogo a interrupção do atual mandato apenas porque a presidente Dilma desmoraliza a candidata Dilma a cada ato e porque se mostra incapaz de elaborar uma agenda que dê ao país um mínimo de estabilidade. Por esse caminho, perde-se apenas a legitimidade –o que já é muito grave.

Ocorre que considero –coisa de que esta Folha absolutamente não está convencida, segundo li em editorial– que ela atropelou também a ordem legal e cometeu crimes de responsabilidade, no plural.

Se o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ainda não a denunciou, é porque faz uma leitura obtusa do parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição. Se o que ele diz estivesse correto, o constituinte teria dado autorização a um presidente para delinquir no primeiro mandato, com vistas a obter um segundo, sem que tivesse de responder por isso.

E, obviamente, essa licença não foi concedida porque, quando tal parágrafo foi aprovado, em 1988, não havia reeleição no país, instituída só em 1997. Assim, é evidente que os atos de Dilma entre 2011 e 2014 não são estranhos às funções que assumiu a partir de 2015. E não deixa de ser estarrecedor que isso tenha de ser escrito.

Janot, diga-se, passou pela sabatina no Senado, foi aprovado com folga e, como vimos, teve de enfrentar, no máximo, apelarei a vocábulos de exceção, a vítrea áscua de Fernando Collor –o que certamente lhe rendeu alguns votos extras. E o essencial ficou por ser explicado.

Por que não há até agora nem mesmo pedidos de inquérito para membros do Poder Executivo? Mais: como é que Eduardo Cunha, ainda que seja culpado do que o acusam, se torna figura central de um escândalo protagonizado pelo PT?

Um jornalista precisa tomar cuidado para não ser tragado pelo presente eterno, não é? Sugiro a leitura de "As Noites Revolucionárias", de Restif de La Bretonne. Ele faz a mais viva narrativa da Revolução Francesa, deixa-se encantar, sim, por seus atores, mas nunca abandona o olhar crítico também para as imposturas dos heróis.

A imprensa não pode se furtar a redigir e a ler a narrativa histórica. Será que aquela que está em curso na Lava Jato, por enquanto, atribui aos devidos autores o peso real de seus atos? Será que a verdade do petrolão é compatível com a permanência de Dilma na Presidência? A resposta, que tem de ser dada na lei, é estupidamente óbvia.


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