Folha de S. Paulo


Comigo não, violão!

Reinaldo Figueiredo/Folhapress
Ilustração Reinaldo Figueiredo de 27.set.2017

Na semana passada, aqui na Cidade Maravilhosa, o evento que atraiu mais público, depois do Rock in Rio, foi a assembleia mensal da AALCRF (Associação dos Amigos e Leitores da Coluna do Reinaldo Figueiredo). O velho galpão localizado na Gamboa, na zona portuária, foi pequeno para acolher a multidão.

Depois das formalidades de praxe, passamos a discutir assuntos gerais, e os membros da associação, que são caras que gostam de música, me disseram que tem um deputado federal que apresentou um projeto de lei para obrigar as rádios públicas a incluir música religiosa na programação.

A princípio, achamos que ele estava querendo apenas diversificar a programação, de modo a incluir peças clássicas como a famosa Missa em Si Menor, de Johann Sebastian Bach, ou então os belos cânticos e a maravilhosa percussão das religiões afro-brasileiras.

Mas aí um dos membros da associação lembrou que o cara é um radialista evangélico e que provavelmente a ideia dele é obrigar as rádios públicas a tocar música gospel. Ao saber disso, não me contive e fiz uma declaração indignada: "Comigo, não violão! Já tem tanta rádio tocando música evangélica, as igrejas já são donas de tantas emissoras, e os caras agora querem enfiar a música evangélica nas rádios públicas?".

Nesse momento, um outro companheiro, mais atento, lembrou que o Brasil é um estado laico. Eu falei: "É mesmo? Não brinca!". E não era ironia. Eu tinha me esquecido desse pequeno detalhe.

E esse companheiro me informou: "Veja só, nesse mês, setembro de 2017 do século 21, o Supremo Tribunal Federal ainda estava discutindo se é constitucional ou não o ensino religioso nas escolas. E na parede do tribunal tem um crucifixo!".

Aí eu falei: "Cara, eu não tinha reparado. Que doideira!". Ele achava que a escola pública de um estado laico não deveria perder tempo e dinheiro oferecendo aos alunos aulas facultativas de religião.

O cara falou: "Seria uma boa oferecer aulas facultativas de coisas mais úteis, como informática, marcenaria, culinária, sei lá... Se alguém quiser que seu filho seja religioso, que mande o moleque para uma igreja qualquer. Tem tantos templos por aí a fim de arrebanhar fiéis...".

E um outro companheiro fez uma revelação: "Quando era garoto, meus pais me mandaram fazer um curso de catecismo numa igreja lá perto de casa. A única coisa que eu aprendi foi uma certa conjugação verbal...".


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