Folha de S. Paulo


'Tucano chifrudo' bate 'vaca petista' no Fla x Flu que divide Parintins e o Brasil

A rivalidade é histórica: de um lado o boi Garantido com sua torcida vestida de vermelho. Do outro, o Caprichoso saudado pela galera de azul.

Como numa reedição do segundo turno das eleições presidenciais, o bumbódromo de Parintins (AM), palco do festival folclórico que neste ano completa 50 anos de história no coração da floresta amazônica, transforma-se também em metáfora festiva das rivalidades políticas que dividem o Brasil.

E elas têm as mesmas cores que colocam "coxinhas" e "petralhas" em lados opostos da arena política. Alcunhas que dão bem a medida da intolerância contida no falso debate atual, já que nenhum dos dois lados da refrega político-partidária parece de fato disposto a ouvir o outro.

O eterno Fla x Flu eleitoral (PT x PSDB) pode ser transposto para a arena na qual as lendas amazônicas centradas na figura do boi são cantadas e coreografadas em um Carnaval no meio da floresta, realizado nos dias 25, 26 e 27 de junho.

De um lado o povão, de vermelho, uma alusão a cor que simboliza o PT. Do outro, a elite, com seu manto azul, mesclado ao amarelo e ao azul da bandeira nacional, cores do Brasil que o PSDB e a oposição adotam para se contrapor ao vermelho socialista.

O Caprichoso é apontado como o boi de Aécio Neves. O senador mineiro prestigiou o apresentação no sábado (26), ficou entre os azuis, mas não tomou partido publicamente. Ficou muro. "Estou aqui dividido entre o Caprichoso e o Garantido. Só não me peçam para dizer com qual eu vou", declarou ele ao site do PSDB.

Os gaiatos logo chamaram Dilma, em viagem aos Estados Unidos, para a festa.

"Se Dilma e Aécio resolvessem brigar na arena do boi-bumbá ia ser a disputa do tucano chifrudo contra a vaca petista", brinca um vendedor. A comparação em meio a gargalhadas não é ofensa, mas trocadilho ligeiro tendo em vista a temática bovina do festejo.

Para embaralhar ainda mais o meio de campo, as torcidas rivais são separadas também em Parintins: só que na arena dos bois, os vermelhos ficam tradicionalmente à direita, enquanto os azuis se postam à esquerda.

Ou seja, ali o paralelo ideológico se subverte completamente e geram brincadeiras que revelam o clima de uma rivalidade saudável entre os concorrentes do espetáculo amazônico.

Durante três noites, os dois competidores do festival folclórico, sem coloração política evidente apesar das cores, apresentam-se por duas horas e meia cada um em uma "apoteose" contínua.

Ao contrário dos desfiles das escolas de samba, com aquela conhecida coreografia e evolução próprias, o espetáculo de Parintins é embalado pelo ritmo da toada e segue um roteiro mais teatral.

Em um espaço circular que comporta 35 mil espectadores, o desfile de sinhazinhas da fazenda e cunhãs-porangas (as belas que fazem as vezes de rainhas de bateria) e demais alegorias vai se descortinando para uma plateia que também faz parte do espetáculo.

Detalhe: o público adversário acompanha respeitosamente, sem vibrar nem tampouco vaiar, a exibição do outro boi. Qualquer manifestação hostil resulta em perda de pontos para a equipe, uma boa medida a ser transposta para o vale-tudo eleitoral, com perda de votos para candidatos e partidários que não respeitem as regras básicas do jogo democrático e do embate político.

Em Parintins, ter lado é obrigação. Assim como na vida. No entanto, ter o coração vermelho ou acelerar a sua batida ao primeiro acorde da galera de azul não faz de ninguém inimigo.

Naquele microcosmo de festa, estar em lados opostos, bem como competir e ser julgado, faz parte do processo. Não há empate. Os vencedores e perdedores vão ser conhecidos e reconhecidos a cada edição. O resultado será festejado ou pranteado. Como em toda a disputa. Sem terceiro turno.

Bem diferente da festa da democracia brasileira, cenário de um Fla x Flu sem fim, com vermelhos e azuis se digladiando continuamente seja nas redes sociais, seja nos bares da vida ou seja na manifestação da vez, nesta grande arena chamada Brasil.

P.S. Sou Garantido, meu coração é vermelho, mas também me emocionei com o azul do Caprichoso, que foi o vitorioso de 2015. Independentemente do resultado, os bois expressam o que Brasil tem de melhor: a criatividade e a alegria do seu povo, reveladas por meio da arte que deveria sempre inspirar a vida. Vida longa ao boi Garantido e ao boi Caprichoso.


Endereço da página:

Links no texto: