Folha de S. Paulo


Como a cachorrinha Duda foi tirada do caminho de Aécio Neves

Apresentando-se como "cientista urbana", Ione Zukauskas, 56, chegou às 11h no comitê do PSDB em Moema, bairro da zona sul de São Paulo, onde o candidato Aécio Neves era esperado ao meio-dia para um bate-papo com a militância feminina do partido. Ao lado da filha, Marion, 17, "modelo internacional", ressalta a orgulhosa mãe, e da cachorrinha Maria Eduarda, a Duda, uma spitz alemã em seu carrinho cor-de-rosa.

Claro que uma cadelinha fofa em um carrinho pink, acompanhada de uma candidata a top model e uma ativista em busca por holofotes, são um trio explosivo e capaz de tirar do sério assessores políticos e de marketing de um presidenciável na reta final da eleição.

São figuras que fogem do script detalhadamente pensado para cada aparição pública dos candidatos, sempre cercados de uma horda de repórteres e fotógrafos, também prontos para flagrar o inusitado e as cascas de banana pelo caminho.

O trio é interceptado logo na entrada. Uma assessora tucana pede para Ione retirar o pet e seu carrinho do local. Com um envelope branco na mão para entregar ao candidato, a militante é levada para uma sala reservada. Uns dez minutos depois, sai de lá irritada. "Não querem que a minha cadelinha apareça, pois dizem que é coisa de elite e que vão pensar que é um evento elitizado", lamenta.

A cadelinha Duda é levada para uma sala no primeiro andar. "Agora, a pobrezinha tá lá em cima, chorando, coitadinha. Pediram pra eu sumir também com o carrinho", relata Ione.

PROTESTO CARA A CARA

No último dia 18, uma saia justa também espreitou Dilma Rousseff. A candidata foi surpreendida por um universitário de Campinas que se aproximou da petista com um cartaz "Dilma, obrigado pelo trem-bala. #ficoulindo".

Era a segunda vez que Benedito Pereira Lima, 25, fazia seu protesto cara a cara. Em agosto de 2013, quando a presidente participava da entrega de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida, ele pediu pra tirar uma foto. Aproximou-se com um cartaz no qual estava escrito: "Dilma, apartamentos incompletos". Foi logo afastado da cena por assessores.

A assessoria do tucano também foi rápida na retirada da cadelinha do caminho de Aécio. Tanto Duda quanto suas donas chegaram ao comitê com o boton em formato de rosa nas cores do partido e com o número do candidato tucano à Presidência no peito. "Viemos aqui entregar para o Aécio um plano de desenvolvimento sustentável", explicava Ione.

ELEITORA, MAS INDIGNADA

Decoradora e ambientalista, a eleitora tucana conta que saiu de Campinas para vir a SP dar seu apoio pessoal a Aécio. "Voto nele porque Dilma já deu. Tem que mudar. Também não voto na Marina. Ela não passa imagem de presidente, de poder. Vamos dizer assim, desqualificada para o cargo."

A militante campineira, no entanto, está especialmente irritada com Maria Helena Guimarães, cotada para ser a ministra da Educação de Aécio e uma das organizadoras do encontro. "Ela quase me bateu por causa da cachorra. Quem é ela?", pergunta apontando para a ex-secretária de Educação de Alckmin, vestida de terninho bege e camisa de seda cor de abóbora. "É muito ódio dessa gente. A Duda está em um carrinho de au-au. Não estamos aqui para melhorar a vida de todos? Agora, eles têm preconceito com os ricos?"

O estresse aumenta com a chegada do candidato às 12h13. A incansável Ione se coloca a postos para entregar, em mãos, a sua proposta a Aécio. "Nosso presidente está chegando", anuncia a mestre de cerimônias.

Como não consegue se aproximar do candidato na entrada, Ione faz chegar a Maria Helena sua insatisfação por não poder fazer perguntas, enquanto vê assessores levando até a frente uma jovem empurrando um carrinho de bebê cor-de-rosa que transporta as filhas gêmeas da desempregada Luciane Amaral. "Não participo dos benefícios do governo, não recebo Bolsa Família", reclama a jovem mãe para Aécio. Diz ainda que a falta de creches a impede de trabalhar. É a deixa para o tucano criticar as políticas sociais petistas e colocar suas propostas para a área diante da audiência.

A decoradora não se conforma. Senta-se duas fileiras atrás da coordenadora do encontro e vai cutucando as mulheres à frente até chamar a atenção de Maria Helena. "Pelo jeito, só pobre pode falar?", indigna-se a eleitora campineira. Minutos depois, Ione interrompe a fala do candidato e dá o seu grito. "Aqui tem preconceito. Represento a ciência e não posso falar. Ninguém acredita na ciência." Um assessor trata de acalmar a intrépida militante, que sai resmungando, inconformada com o critério de seleção das escolhidas para fazer perguntas ao tucano. "Pelo jeito, o que pobre fala é lei. Eu também estou desempregada como a mãe dos gêmeos. Sou cientista, tenho quatro filhos, quatro cachorros e dois netos."

FALTA D'ÁGUA

Ione não desiste. Posiciona-se para entregar o envelope na saída do comitê, próxima ao carro que transportará o candidato. No corpo a corpo, não conseguiu fazer chegar a Aécio seu "Projeto de Resgate Paisagístico do Brasil". "Ninguém aqui quer falar da falta d'água. Vamos morrer todos. Tivemos zero de safra esse ano em São Paulo. Alckmin tá eleito. Ele, não."

Apesar de reclamar da "arrogância" dos assessores, ela pretende votar em Aécio. Nem o apelo da sustentabilidade, a bandeira mais associada a Marina Silva, a fez abandonar o barco tucano. "Votar em Marina é voltar a andar de pé no chão de novo. Sem conforto não dá mais. O homem conheceu a evolução, o iPhone, o ar-condicionado", afirma. Dilma também é criticada. "Precisamos mudar ou os pobres vão mandar no mundo."

O mais próximo que conseguiu chegar de Aécio foi para fazer uma foto da filha ao lado do candidato. Com seus faiscantes olhos verdes e de shorts, a modelo conseguiu vencer a barreira de seguranças. Mãe e filha checam a qualidade do clique feito pelo celular. Ficam satisfeitas.

Deixam o comitê cerca de 20 minutos após a partida do tucano. É quando vão resgatar a cachorrinha Duda e o seu carrinho pink. Confinamento providencial que evitou que virassem atração no circo montado pelo "CQC" e "Pânico na Band" na entrada do comitê durante a passagem do candidato. Foi por pouco.


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