Folha de S. Paulo


O ex-semeador de veneno que planta saúde

Aos 58 anos, o agricultor Luiz Arruda anda rindo à toa. Como bom mineiro chegado a uma prosa, ele conta com gosto como transformou seu sítio em São Miguel do Iguaçu (a 595 km de Curitiba e 44 km de Foz do Iguaçu) em um oásis.

"É só olhar pro lado", aponta ele para a monótona paisagem ao redor, ainda dominada pela palha que cobre o chão após a colheita mecanizada de milho. No horizonte, pode-se ver esparsas manchas da vegetação nativa, já que árvores e plantas cederam lugar a vastas plantações que fazem a riqueza da região.

Seu Arruda vai dando a receita que explica a sobrevivência de sua propriedade familiar em meio a uma realidade movida a colheitadeiras, símbolo do agronegócio do oeste paranaense.

A mudança mais visível é a barreira natural que ele plantou ao redor da propriedade para evitar a pulverização e a proliferação de insetos no seu terreno. A cerca viva, feita de árvores frondosas e plantas, é uma das estratégicas biológicas usadas para impedir a passagem e a proliferação de pragas que, ao redor, continuam a ser combatidas com pesticidas.

PROSPERIDADE

O que faz daquele pedaço de terra um lugar especial é como o agricultou plantou as bases de sua prosperidade.

Com a palavra seu Arruda para narrar como se livrou de outra praga: os agrotóxicos. "Eu era um passador de veneno e destruidor da natureza. Hoje, planto de um jeito que protege a saúde da gente, a minha e a da minha mulher, a do meio ambiente e também a de quem consome o produto que sai daqui", resume ele, sobre a agricultura sustentável e orgânica que pratica há mais de uma década.

"Antes, eu passava 19 vezes veneno na minha plantação de algodão. Até que fui fazer um curso de 100 horas aqui mesmo no município. Logo depois da primeira lição já comecei a mudar a propriedade."

Isso foi em 1997, quando foi apresentado ao MIP (Manejo Integrado de Pragas), que era ensinado na cooperativa. "Em um ano, reduzi a passagem de agrotóxicos na minha plantação de 19 para sete."

A primeira batalha foi vencer a desconfiança dos vizinhos. Um deles temia que, ao usar menos agrotóxicos, seu Arruda acabasse "empesteando" a redondeza.

ALUNO APLICADO

Os resultados não deixaram dúvida: enquanto o vizinho colheu 280 arrobas de algodão naquele ano, o manejo correto de pragas e a introdução de técnicas sustentáveis resultaram na produção de 594 arrobas para o aluno aplicado. "No segundo ano, meu vizinho já tava passando mais de 20 vezes o veneno. Eu não passei nenhuma", orgulha-se seu Arruda.

A conversão total à agricultura sem uso de agrotóxicos levou o agricultor mineiro a ficar em primeiro lugar no concurso entre os pequenos produtores da região.

O aluno nota 10 lista em detalhes os prêmios: 50 toneladas de esterco de aviários, quatro diárias em hotel cinco estrelas, passeio de barco nas Cataratas do Iguaçu, R$ 900 em compras no Paraguai e visita a Itaipu.

"Foi bom demais. Aquele esterco custa hoje mais de R$ 5 mil. O negócio lá do hotel só não foi melhor porque eu não podia levar minha mulher. Eu e o segundo ganhador ficamos sozinhos quatro dias." Vingaram-se esvaziando o frigobar. "O jeito foi acabar com aquele botequim lá do quarto", diverte-se.

SEM INTOXICAÇÃO

Seu arruda aboliu o veneno de suas plantações em 2003, livrando-se por tabela das constantes intoxicações. "Era horrível. Sentia muito enjoo e dor de cabeça."

Um dos pioneiros na agricultura orgânica na área, ele hoje entrega produtos certificados para a Associação de Produtores de Agricultura e Pecuária Orgânica de São Miguel do Iguaçu, da qual é um dos 250 associados.

Vende verduras e frutas, in natura e em polpa, para a merenda das escolas públicas do município, por meio do Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e do programa estadual de Alimentação Escolar.

O fato de que pelo menos 30% dos ingredientes da merenda devem ser adquiridos de agricultores familiares garantiu a sustentabilidade econômica da pequena propriedade. Há dois anos, ele conseguiu montar uma pequena agroindústria. Pagou à vista pelas máquinas e refrigeradores que lhe permitem produzir os saquinhos de frutas que vão virar suco. São 3.000 kg de polpa orgânica por ano.

FOGÃO À LENHA

Uma renda produzida pelas mãos calejadas do agricultor que toca o sítio ao lado da segunda mulher. Albertina Madeira, 39, também pilota o fogão à lenha.

Em mesas e bancos de madeira rústica que germinaram no quintal da casa confortável da família, eles recebem os visitantes com ensopado de frango, palmito pupunha refogado, feijão, inhame fritos em rodelas e salada fria de tomate-cereja e brócolis. Os sucos de acerola e maracujá também são de frutas orgânicas produzidas pelos anfitriões.

TERRA VALORIZADA

Os 4,8 hectares de terra foram adquiridos por R$ 17 mil em 2001. Hoje, seu dono relata sorridente, com sua terceira dentição orgulhosamente à mostra, que um técnico da Emater avaliou que "se abrir a boca", vende a área por R$ 880 mil.

"Dizem que meu pedaço aqui vale quatro vezes mais do que o resto por aí", vai contando seu Arruda, quando instado a falar sobre a multiplicação do preço do seu quinhão.

O pequeno produtor avisa de cara: "Meu sítio não está à venda". E relata a saga para adquiri-lo. "Quando comprei em 2001, o terreno tava todo limpo, abandonado, cheio de erosão."

Viu a placa de "Vende-se", mas não dispunha dos R$ 25 mil pedidos inicialmente. "Sai do meu primeiro casamento com uma moto, uma motosserra e R$ 15 mil, que meu ex-cunhado ia me pagar pelo meu pedaço lá nas terras deles. Não tinha nem cama pra dormir. Trabalhava por empreitada, ganhando R$ 15 por dia na cidade."

Na primeira tentativa, foi embora sem fazer contraproposta. A negociação amarrada se arrastou por semanas até o negócio ser fechado por R$ 17 mil.

Ele conta sua trajetória após ter servido almoço para 40 crianças levadas por uma escola que comeram no seu quintal e, de sobremesa, limparam os pés de amora. "Estou sendo valorizado, tendo reconhecimento", alegra-se o agricultor. "No mercado, eu só compro arroz e açúcar."

JARDIM RURAL

"A propriedade do Arruda é um verdadeiro jardim rural, com mais de 50 diferentes culturas e plantas, demonstrando que mesmo uma pequena área pode ser sustentável", avalia Nelton Friedrich, diretor de Coordenação e Meio Ambiente da Itaipu Binacional, que coordena o programa Cultivando Água Boa.

Seu arruda conta que ganhou 500 mudas de seringueira do programa que promove uma série de ações na na bacia do Rio Paraná. As árvores vão servir de sombra para garantir que seu cafezal floresça protegido de pragas e geadas.

Seu Arruda só não fala sobre sua renda atual. Mas não esconde que fez um ótimo negócio e ri de quem passa pela estrada e se surpreende com todo aquele verde. "O povo fica matutando. Esse aí 'veve' do quê? Acham que aqui só tem mato. Para eles plantação tem que ser limpa".

Ao se despedir na entrada do sítio, faz um balanço da lida. "O maior orgulho é a gente tirar proveito do que tem aqui. E vê o que se plantou e a natureza voltando forte. É mais ou menos isso aí", conclui seu Arruda. Um pé da planta que lhe empresta o sobrenome foi devidamente fincado no terreno pra evitar mau-olhado e "olho gordo".


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