Folha de S. Paulo


Pai não desiste da busca de filho desaparecido há 29 anos

Há 29 anos, o empresário e jornalista Ivo Simon, 75, tenta localizar o filho, que desapareceu quando fazia uma escalada ao Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira, em SP. Em 8 de junho de 1985, Marco Aurélio, 15, recebeu autorização do líder do grupo para buscar socorro para um dos escoteiros. Nunca mais foi visto. A busca durou 28 dias e mobilizou 300 homens. O inquérito foi encerrado sem esclarecer o ocorrido. A família continua acreditando que ele está vivo, seguiu inúmeras pistas falsas e foi vítima de várias tentativas de golpe.

A seguir, o relato de um pai que não comemora um Dia dos Pais por completo há quase três décadas:

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Meu coração diz que meu filho está vivo. E olha que, depois de eu ter sofrido dois infartos, ele hoje já não bate muito forte. Minha mulher também desenvolveu cinco doenças autoimunes, toma 18 medicamentos por dia.

O desaparecimento do Marco Aurélio matou metade da nossa vida. Mas nós não nos rendemos. Ainda temos esperança. Por que vou dizer que meu filho está morto se não tenho uma única prova?

Ao longo das investigações e sem que a polícia encontrasse rastro dele, configuraram-se algumas hipóteses. A primeira é que teria fugido de casa. Foi descartada, pois ele deixou dinheiro e documento no acampamento.

Foi morto pelo líder da expedição? Houve um acidente e ele enterrou meu filho? Vasculharam toda a região e também a vida dele [Juan Céspedes, que conduziu os quatro escoteiros até a serra]. A conclusão da polícia é que não houve crime.

Outro hipótese é a de que ele se acidentou, já que se o líder autorizou que se separasse do grupo para buscar ajuda para um amigo que se machucou. Como não se achou o corpo ou um fio de cabelo dele? Fizeram a maior busca que se tem notícia na área, sem economizar esforços, e nada.

Eu não me conformei quando o tenente que comandava as buscas me disse que não tinham mais o que fazer, após uma varredura minuciosa por quase um mês. O inquérito tem 200 páginas e não chegou a nenhuma conclusão.

MISTÉRIO

Como permaneceu o mistério, começou a surgir todo tipo de história, até que Marco Aurélio foi levado por extraterrestres.

Imagina a cabeça da gente como fica. Fuga, crime, disco voador. Na falta de indício concreto, só existe uma possibilidade pra mim: ele está vivo em algum lugar. Por isso, continuamos a buscá-lo.

Já espalhamos mais de 27 mil cartazes pelo Brasil. Dois livros foram escritos sobre o caso. Tenho caixas e caixas de reportagens publicadas.

Fizemos uma montagem fotográfica de como nosso filho seria hoje, com base na fisionomia do irmão gêmeo, Marco Antônio, que tem 44 anos. São univitelinos e teriam o semblante parecido.

Muitos videntes diziam que Marco Aurélio talvez esteja desmemoriado. Fomos ao Chico Xavier [médium espírita morto em 2002] tentar nos comunicar com ele. Perguntei: "Meu filho está vivo ou morto?". Chico respondeu: "Eu só me comunico com desencarnados".

Andei pelo Brasil inteiro. Uns cinco anos depois do desaparecimento, fomos a Ouro Fino (MG), onde um rapazinho dizia que era Marco Aurélio. A TV Globo mandou uma equipe junto. Chegamos lá e não é que o moleque parecia com meu filho? Ele disse: "Ô pai, ô mãe". Só que ele tinha uma cicatriz de cirurgia horizontal na barriga. A da nosso era vertical.

Ainda assim, minha mulher dizia: 'É ele, é ele'. Mas não dá para mudar uma cicatriz de lugar. O delegado voltou com a confirmação de que ele era de lá mesmo. Perguntei porque mentiu. Ele queria morar em São Paulo com a gente. Depois de tudo, minha mulher, a Tereza, ainda queria trazer o moleque.

EM OUTRO PLANETA

Uma vez, a polícia veio aqui em casa às 23 horas para dizer que meu filho estava numa carvoaria, submetido a trabalho escravo. Um policial florestal me ligou de uma cidadezinha para contar que tinha um rapaz afirmando ser Marco Aurélio. Era outra pista falsa. Depois de um programa na TV Record sobre o caso, apareceu um outro no interior de Minas dizendo ser a reencarnação do meu filho com outra fisionomia.

Ouvi de especialistas que meu filho vive em um outro planeta. Em 1986, fui a Brasília procurar o general Alfredo Uchôa [um dos pioneiros no estudo da Ufologia no Brasil, morto em 1996]. Ele falou que podia se comunicar com seres de outros planetas e eles devolveriam meu filho, mas podia ser em qualquer lugar, aqui ou no Japão.

Videntes me disseram que uma seita o teria levado para longe. Sem falar nas tentativas de extorsão. Um rapaz veio aqui querendo que eu pagasse uma passagem para ele ir atrás do Marco Aurélio. Outro me procurou para fazer uma marcha a pé até o Uruguai, desde que pagássemos os bilhetes de volta.

São tantas histórias que fiquei vacinado. Teve também crueldade, como um telefonema na primeira noite de Natal após o desaparecimento. Faltavam dez minutos para a meia-noite, quando toca o telefone e era um homem de Mato Grosso: "Seu filho está morto. Eu tava lá na ocasião e vocês nunca vão achar. O chefe fez dele picadinho."

Eu aguentei tudo até dez anos atrás, quando tive meu primeiro infarto. Temos de encarar Natal, aniversários. Aprendemos a fazer festa sem ele pelo nossos outros quatro filhos. A caçula, quando tinha dez anos, falou para a mãe: "Será que também temos que desaparecer pra você só ficar falando da gente?"

Tivemos muita solidariedade e conforto de todas as religiões. A vida continua, mas não posso ignorar que meu filho desapareceu da face da terra. Só vou desistir [de reencontrá-lo] quando eu morrer. E, se morto eu puder ajudar, vou continuar procurando.


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