Folha de S. Paulo


Vítimas dizem que denunciaram casos de pedofilia à Igreja e à promotoria

Antes de denunciarem publicamente o ex-padre João Marcos Porto Maciel de prática de pedofilia, o empresário Marcelo Ribeiro, 48, e o violoncelista Alexandre Diel, 42, procuraram autoridades religiosas e até o Ministério Público para relatar que teriam sido vítimas de abuso sexual quando tinham entre 11 e 12 anos de idade.

Ambos revelaram suas histórias também à Folha, em reportagens publicadas no domingo. Tanto Ribeiro quanto Diel relatam mais de 30 anos depois que teriam sido forçados a fazer sexo com o religioso, quando ele era maestro do coral Os Bem-te-vis da Catedral de Novo Hamburgo (RS), na década de 1980.

Pela lei, os crimes estão prescritos, já que vítimas têm até dez anos, após completarem 18 anos, para denunciar. "Eu precisei de 20 anos para conseguir falar sobre o assunto", diz o violoncelista. "A dor não prescreve."

Marlene Bergamo - 20.jun.14/Folhapress
João Marcos Maciel, acusado de cometer abusos sexuais
João Marcos Maciel, acusado de cometer abusos sexuais

Mesmo processo vivido por Ribeiro, que só conseguiu falar que teria sido vítima de abuso sexual há seis anos, durante uma crise no casamento, quando sua mulher ameaçou deixá-lo. "É o tipo de crime que não pode prescrever. Não se sabe quando alguém vai superar um trauma", diz o empresário.

Autor do livro "Sem Medo de Falar - Relato de uma Vítima de Pedofilia", ele comunicou formalmente o caso à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em carta datada de 16 de maio de 2010. A resposta às "denúncias de pedofilia na Diocese de Novo Hamburgo" veio em 23 de junho com um protocolar "o assunto foi encaminhado à Assessoria Jurídica da CNBB". "Nunca me procuraram para ouvir meu depoimento, nem tive notícias de que o caso foi investigado de fato", afirma Ribeiro.

Àquela altura, o ex-padre João Marcos, que estava à frente do mosteiro de Santa Cecília, em Caçapava do Sul, já havia deixado a Igreja Católica e passara a se declarar anglicano. Uma cópia da denúncia foi encaminhada por Ribeiro também a dom Sinésio Bohn, bispo que convidou o religioso acusado de pedofilia para dirigir o coral de meninos em Novo Hamburgo.

Já aposentado e sem autoridade hierárquica sobre o acusado, dom Sinésio diz tê-lo procurado em 2010. "Fui atrás como pessoa responsável pela sociedade e pedi que dom Marcos, então bispo anglicano, não aceitasse mais menores no mosteiro. Era o que eu podia fazer."

Na década de 1980, o bispo católico conta ter conduzido uma "pequena investigação" quando surgiram rumores de que o padre João Marcos estaria abusando de meninos do coral. "Mas nenhum deles confirmou nada na época", justifica-se.

Há cerca de quatro anos, o gaúcho Diel também fez uma tentativa de responsabilizar o religioso, sem saber da iniciativa de Ribeiro. Com a angústia de que poderia haver outras vítimas, o violoncelista, que é também advogado, chegou a contratar um detetive para levantar informações sobre o paradeiro e as atividades do religioso.

Diel acusa o ex-maestro de tê-lo violentado aos 11 anos na lavanderia da paróquia de Hamburgo Velho, em Novo Hamburgo, sua cidade natal.

Ele diz ter procurado também o então promotor da Vara da Infância e da Juventude de Caçapava do Sul, para onde o religioso se mudara. "Fiquei uma tarde esperando até ser recebido. A promotora ouviu o meu relato, mas disse que já não podia fazer muita coisa." Nada foi feito.

Um servidor público mineiro de 45 anos, que prefere não se identificar, engrossa o coro de acusações contra o maestro, que conheceu quando era regente do coral Os Bem-te-vis da Catedral de Diamantina: "A música foi o artifício que o ex-padre João Marcos se valeu para manter o domínio sobre todos nós fazendo uso de violência psicológica, moral e sexual."

Um enfermeiro gaúcho de 39 anos, que entrou para o coral de Novo Hamburgo aos 12, também faz referência aos abusos e castigos físicos que teria sofrido. "Levei tapas na cara, apanhava com régua. O maestro atirava nos alunos o que tivesse à mão", relata ele sobre as lições de violino.

Depois dos ensaios, vinham convites "para dormir na casa paroquial, onde houve sexo, inclusive oral". "Estava descobrindo minha sexualidade. Ele nos tratava melhor no dia seguinte", diz o enfermeiro, uma das testemunhas de um recente caso de pedofilia envolvendo um outro padre gaúcho.

No processo aberto em um Tribunal Eclesiástico, ele contou ter sido vítima desse outro padre –que não teve o nome revelado em virtude do sigilo da investigação–, quando era seminarista, e também de dom Marcos. "Os dois religiosos trocavam meninos entre si. Fui um deles", declarou o enfermeiro.


Endereço da página: