Folha de S. Paulo


Copa sem TPM nem DR: descobri como os homens são felizes

Os homens são felizes. Sempre invejei a leveza e a capacidade deles de sublimar problemas e dores quando a bola começa a rolar. E não é que a Copa de 2014 me fez descobrir esse meu lado macho?

De 12 de junho a 13 de julho, minha TPM foi dinamitada por doses extras de testosterona injetadas a cada grito de gol. Da mesma forma, deixei de lado preocupações cotidianas de dona de casa e de mulher, incluindo as DRs, aquelas chatérrimas sessões de discussão da relação com o namorado, por idas aos estádios e infindáveis bate-papos sobre táticas e esquemas de jogos.

E, sinal dos tempos, me vi assistindo a uma mesa-rendonda atrás da outra, justo eu que sempre odiei o formato.

A Copa das Copas me transformou em uma ardorosa fã do futebol. O maior legado pessoal deste Mundial foi ter feito de mim uma espectadora apaixonada de toda a competição e não apenas da seleção brasileira.

A CADA QUATRO ANOS

Até então, eu era a típica torcedora de Copa do Mundo, que de quatro em quatro anos vestia a camisa de Pacheco para torcer pelo escrete canarinho. Fiquei destruída com a derrota do Brasil para a Itália na minha Copa do coração, a da Espanha em 1982, com o meu time dos sonhos: Zico, Sócrates e companhia.

Agora foi diferente. Até na forma como lidei com a vexaminosa derrota do Brasil para a Alemanha.

Foi uma tragédia? Não. Está mais para desastre anunciado. Eu torci muito pelo Brasil, vibrei com os quatro gols de Neymar e cruzava os dedos para que ele fosse o artilheiro da Copa e, por tabela, garantisse o título para nós. Lamentei o coice que o tirou da competição, mas transferi o meu otimismo para o carismático David Luiz. A ficha logo caiu que quando um zagueiro é o melhor jogador brasileiro em uma Copa havia algo de muito errado no reino verde-amarelo.

Não dava para tapar o sol com a peneira. Não houve nenhuma partida sensacional da nossa seleção, assim como "nostros hermanos" argentinos também não deram espetáculo, embora tenham sido eficientes para chegar à final.

DIVISOR DE ÁGUAS

A Copa no Brasil foi um divisor de águas: torci para várias seleções e descobrir o prazer do futebol pelo futebol. Fui vira-casaca a cada lance lindo (e foram muitos), a cada jogaço.

Vesti a camisa laranja da Holanda, na sensacional goleada sobre a Espanha. Foi fácil também endossar o uniforme dos nossos simpáticos algozes alemães, afinal sou flamenguista, um ato de resistência contra o meu pai vascaíno. Torci para o rubro-negro europeu, quando eles deram de quatro em Portugal, mal sabendo que na nossa vez seria pior.

De repente, eu me vi curtindo discussões intermináveis sobre esquemas táticos, se o 4-4-3 era melhor que 4-4-2-1. E mais espantoso: cheia de opinião formada sobre tudo, embora meu conhecimento futebolístico seja, digamos, limitado.

Mas não é que aos 45 anos virei craque em definir impedimentos, eu que, por pura preguiça, jurava não fazer ideia da regra. Agora, me vi gritando, antes mesmo de o juiz subir a bandeirinha: "Tá impedido, porra!". Com palavrão e convicção.

NA ARQUIBANCADA

Uma mágica que começou nas arquibancadas no Itaquerão, no jogo de abertura da Copa. Por um privilégio da profissão, assisti a cinco partidas em três das 12 cidades-sedes. Dois jogos do Brasil (contra a Croácia e Camarões), Uruguai x Inglaterra, Argentina x Suíça e a final no Maracanã.

Em todas elas fui testemunha da paixão mobilizadora do futebol, que se traduz em uma babel em que todos entendem uma mesma língua: a do gol. Que delícia soltar a garganta e gritar mais que locutor de rádio.
E gol vicia. Fiquei adicta. Nunca imaginei que ia trocar a sagrada ida ao salão de beleza aos sábado, com unhas por fazer e depilação vencida, para assistir a uma partida de futebol, que descobri não se limita aos 90 minutos regulamentares.

Em pleno sabadão de sol estava eu lá imobilizada no sofá assistindo aos programas pré e pós-jogos pela TV, sem vontade nenhuma de fazer leitura comentada da revista "Caras" com minhas colegas de peruagem.

Em vez disso, fui dar mais uma lida nos sites de notícias para saber escalações e me preparar para as partidas do dia. E na hora do jogo concentração total. Nada de ficar falando com amiga ao telefone, nem vontade de ver novela ou programa de culinária e decoração.

ATÉ REPLAY

Um indicador de que os níveis de hormônio masculino continuam altos está na permanente sintonia em canais de esporte, com direito a ver replay de partidas da primeira fase do Mundial. Comecei a me preocupar com o desequilíbrio hormonal quando emendei a transmissão de F-1 e uma partida de cinco sets numa final de tênis de Wimblendon.

Mera distração. Meu negócio era ver, falar, curtir a Copa. Tenho a impressão de que não vou me curar desse vício tão cedo. Espero ansiosa o início da temporada europeia, para acompanhar Robben, Podolski, David Luiz, Neymar e tantos outros craques defendendo seus times nas ligas de além-mar. Resta saber se a paixão vai resistir à partida de Criciúma x Figueirense, amanhã, pela décima rodada do Brasileirão.


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