Folha de S. Paulo


Memórias de Bibi Perigosa, uma ex-primeira-dama do tráfico

A vida de Bibi Perigosa não é só um livro aberto é "uma rede social escancarada". "Tá tudo lá", gargalha ela. Tudo e mais um pouco. Lá quer dizer Facebook, Orkut, Twitter, MSN, WhatsApp, Instagram e blogs.

Hiperconectada desde os primórdios das redes sociais, a carioca se desnuda cotidianamente no mundo virtual. Seu resumo biográfico na página do Facebook dá algumas pistas da "persona" contida em tantos perfis e canais de interação: ali consta que ela trabalha no Facebook, estudou na UFRJ, vive no Rio e é casada com Fabiana Escobar.

Embora não ganhe salário de Mark Zuckerberg, Bibi transformou seu perfil em livraria, onde comercializa sua autobiografia "Perigosa" (ed. PerSe, R$ 45), lançada em outubro do ano passado.

Ela bate ponto também no Twitter, com seus 10 mil seguidores, e no blog que tem público cativo toda vez que tira a roupa e aciona o play de sua webcam.

Não abandonou o Orkut nem após a polícia usá-lo para rastreá-la, pondo fim em 2007 as suas aventuras e desventuras Brasil afora na condição de mulher de foragido da Justiça.

A ex-estudante de Serviço Social, que abandonou a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) quando cursava o sétimo período e planejava virar assistente social em programas antidrogas, declara-se hoje casada com Fabiana Escobar, seu nome de batismo.

Até 2010, carregou na certidão de casamento o sobrenome de Saulo de Sá Silva, o "Barão do Pó". Era reincidente. Aos 14 anos, viveu sua primeira paixão por um traficante, que seria assassinado dois anos depois.

Aos 17, casou-se com Saulo, que se tornaria um dos maiores traficantes cariocas. Uma paixão financiada, em tantos momentos, pelo venda de drogas e testemunhada em escutas e tocaias da polícia, que deu a ela alcunhas como "Rainha do Pó" e "Primeira-dama do Tráfico".

Bibi viveu um conto de fadas às avessas: a bela adolescente de classe média, universitária e filha de uma diretora de escola e um estatístico do IBGE, que se apaixona por um carteiro, preso por envolvimento com o tráfico, e vai morar na favela.

A princesa virou "mulher de bandido", ao mesmo tempo em que Saulo ganhava o apelido de Robinho Pingo, durante seu reinado de chefão do morro. Hoje, ele cumpre pena de 18 anos de prisão em Bangu 4.

Trajetória resumida nas 172 páginas de um livro que vai virar minissérie da Globo. "Fechei contrato com a emissora em dezembro", conta Bibi. Personagem superlativa, ela chamou a atenção da novelista Gloria Perez. A autora de "Salve, Jorge" bebeu na fonte inesgotável de histórias da jovem que amadureceu à sombra do tráfico e subiu o morro por amor.

No último dia 26 de março, Gloria escreveu no Twitter: @BIBI_PERIGOSA depois desse seriado Dupla Identidade começo a escrever o Perigosa.

Bibi retuitou: @gloriafperez nossa vc sempre aparece na hora certa pra levantar meu ânimo. Me deixa revigorada e cheia de energia pra continuar. Te love".

A minissérie vai ser inspirada numa autobiografia que é um mix de thriller de ação, comédia romântica e drama policial.

É festejada ainda como uma volta por cima. "Só posso ter me exibido em um pole dance na Santa Ceia", brinca Bibi, em uma de suas tiradas que fazem sucesso nas redes sociais, sobre a fase dura que vinha passando.

A compra dos direitos da obra pela maior rede de televisão do país chegou na hora certa. "Estava respirando com ajuda de aparelhos", conta ela, aos risos, mas falando sério. Pagou dívidas e fez o enxoval para o netinho recém-nascido que a fez avó aos 34 anos.

DANGER GIRL

Fui apresentada à Bibi por Gloria Perez. Numa entrevista, a autora me falou sobre a então proprietária da "Danger Girl", grife de roupas focada nas popozudas dos bailes funk, que servira de inspiração para algumas cenas do folhetim global.

Subi o morro para entrevistar Bibi pela primeira vez para uma reportagem publicada na coluna Mônica Bergamo. Relatei o fim da grife para "meninas perigosas" e de outros negócios ligados ao prazer e à vaidade após a ocupação da Rocinha pela Unidade de Polícia Pacificadora, em 2011.

Agora, Bibi é a protagonista desta coluna a partir do relato cru sobre sua vida bandida. Em primeira pessoa, ela narra sua versão de uma parte da história do tráfico de drogas no Rio nos anos 1990 e 2000, na voz de alguém que sobreviveu para contar e se reinventar. "Eu tinha o filme queimado. Sozinha, ao mostrar minha verdade no blog, consegui mudar meu destino."

Entre 2005 e 2007, a então mulher de Saulo da Rocinha, era frequentadora assídua do noticiário policial. "Minha foto foi parar no jornal, fiquei visada, me chamaram de tudo: puta, espalhafatosa."

Contribuiu para a má fama, reconhece, o seu pendor ao exibicionismo. E dá-lhe posts: foto de peruca loura pra mexer com a facção rival, retratos de biquíni na piscina da laje e imagens cercada de dinheiro e armas.

Bibi já apareceu no alto de página da crônica policial ao ser flagrada em escuta telefônica declarando estar "cansada de contar dinheiro". Exaustão retórica de quem presenciava a chegada de carregamentos de grana em casa. "Eram R$ 600 mil por semana, mas não era tudo do Saulo, não."

A seguir trechos do livro, separados em dez capítulos de uma novela da vida real estrelada por uma mulher que, logo nas primeiras linhas, deixa claro que não é inocente nem culpada.

Tampouco se deixou julgar ou subjugar. "Foi sorte não ter sido presa." Passou "batidona", como diz em seu "carioquês". Escapou da polícia, da guerra de facções rivais, da ocupação na Rocinha, da fúria do ex e de seus comparsas.

E, ao final de uma saga pelo submundo do tráfico, conclui: "Quando levamos uma vida digna, não existe plateia". É com melancolia que faz o resumo da crônica da mulher de carteiro e traficante ("Na condição de bandido, Saulo tinha um verdadeiro fã clube") e o balanço final: "O trafico não destrói só quem usa drogas. Destrói quem trafica também. Destrói a família, além da própria pessoa. Se reerguer não é nada fácil".

CAPÍTULO 1: SEDUÇÃO DO TRÁFICO

"Muitas meninas acham que almejar um namoro, romance ou até mesmo uma ficada com um traficante vai fazer delas uma diva, uma "patroa", sobre a qual todos os Orkuts de fofocas do morro vão falar. E, assim, o status de "bambambãs da favela" será alcançado. Infelizmente no tráfico, a ostentação é carro-chefe. Seja de riqueza, seja de violência."

"Dinheiro, poder, ouro, status... Tudo pra virar celebridade na favela. Até mesmo meninas que não são da comunidade acabam se encantando com tanto glamour e entram nos morros atrás de aventura. Mas as festas sempre acabam, a ressaca sempre vem, a polícia sempre chega... Começa o pesadelo que sempre esteve ali disfarçado de alegria e glamour."

CAPÍTULO 2: PRIMEIRO AMOR BANDIDO

"Nem (Celso dos Santos Silva, que aos 18 anos herdou as bocas de fumo do morro do Turano e tem o mesmo apelido do famoso chefe da Rocinha) era muito paciente comigo. Já estava há mais de um ano só de beijo, abraço e esfrega. Mas eu não era de ferro e acabei perdendo a virgindade. Minha mãe descobriu que eu estava com ele e me deu um tapa na cara daqueles que só polícia sabe dar."

"Com 15 anos, engravidei. Minha mãe pegou o telefone e falou para o Nem: 'Manda imediatamente o dinheiro e você sabe muito bem pra quê! No dia seguinte, estava eu numa clínica de aborto em Bonsucesso. Acordei e não estava mais grávida."

"Ia visitar Nem na Polinter. A gente ficava abraçado e sempre ia no Ratão. Pra quem não sabe, é um banheiro onde os presos entram com suas companheiras e fazem sexo em no máximo 15 minutos. Lá estavam presos muitos donos de morro, com muito dinheiro e poder. A gente podia tudo."

CAPÍTULO TRÊS: PASSADO E FUTURO NO TRÁFICO

"Imagina eu com 16 anos passando por isso: entrei numa sala enorme cheia de macas com pessoas mortas. Vi de longe o corpo dele no cantinho. Nem não tinha rosto, só uma pele sem osso, estava destruído. O cara que matou ele proibiu os moradores de ir ao enterro. Foi um trauma no morro do Turano. Uma guerra que matou até mulheres e crianças."

"Naquela semana, o destino começou a entrar em ação. Quem liga lá pra casa? Saulo! Ele soube do que tinha acontecido e perguntou se podia me visitar. Naquele momento, eu tinha jurado que nunca mais na vida me envolveria com bandido."

"Eu e Saulo esperamos anos pra concretizar o que já estava escrito no livro da vida [ela o conheceu aos 9 anos na escola]. A gente dormiu e já acordamos casados. Não nos desgrudamos mais."

"Saulo foi chamado pelos Correios, voltou a estudar à noite. Eu me formaria em Serviço Social e ele seria professor de matemática. Foi quando Fernandinho Beira-Mar [então líder do Comando Vermelho, organização criminosa que dominava o tráfico no Rio], ligou pra ele. Eu me lembro que ele ligava da mata onde estava escondido."

CAPÍTULO 4: NO MEIO DO CAMINHO

"Nosso sonho era mudar do Rio Comprido. Nem eu nem Saulo queríamos que nossos filhos [Celso e Dalila] crescessem assistindo a divisões de roubos na nossa porta, homens armados pra lá e pra cá e fumando maconha."

"Não imaginava que a nossa vida daria uma guinada brusca. Saulo foi comprar parafusos e quando voltava foi abordado por dois policiais, que lhe deram voz de prisão...Saulo não era o que foi noticiado. Eles pegaram um nada e transformaram num tudo."

"Precisava arrumar dinheiro pra pagar pra meu marido ficar numa cela especial. Foi a primeira vez que vi o Nem [Antônio Bonfim Lopes, chefe do tráfico da Rocinha]. Seguimos pro mafuá dos bandidos e lá eu me deparei com aquela figura dourada, com um cordão que tinha um cifrão gigante, muitas pulseiras, anéis, arma dourada e uma taça na mão."

"O pior de tudo era o Saulo estar lá na faculdade do crime, aprendendo a teoria de tudo que colocaria em prática no futuro."

CAPÍTULO 5: A VIDA NA ROCINHA

"Com a fuga e a ida do Saulo pra Rocinha, estava declarada de vez a guerra da gente com os morros do CV [Comando Vermelho, facção rival]."

"A Rocinha era o fervo! Estava tudo muito bom pra ser verdade. As crianças numa escola particular, a gente tranquilo em casa. A gente se divertia bastante."

"Nessa época, sempre que Saulo dormia, eu aproveitava pra tirar fotos com as armas. Ia até os seguranças e ficava horas na sala batendo várias fotos minhas armada."

"Ao mesmo tempo que eu tinha muito dinheiro, nada mais me fazia sentir prazer. Eu só comprava roupa quando tinha algum show e bebia. Só! Tentava suprir meus filhos com muito dinheiro. Todo dia mandava o motorista levar eles ao cinema."

"A gente tinha dois carros, um castelo, bebidas e mais bebidas, roupas e mais roupas, mas éramos extremamente tristes por dentro."

CAPÍTULO 6: ENTRE TAPAS E BEIJOS

"Peguei gasolina e taquei na moto dele [Saulo]. Sabe filme de suspense que você risca o fósforo e ele não acende e só tem um na caixa? Foi o que aconteceu! Fiquei louca com aquilo [descobriu a primeira traição do marido]. Eu já cheguei jogando gasolina pra tudo que é lado. A dona do salão desesperada tentava me acalmar."

"Joguei pétalas do helicóptero pra ele. Saulo, por sua vez, mandava muitas flores, cartas e presentes pra mim."

"Eu fazia do nosso quarto um verdadeiro motel. Tinha hidro, jogo de luz, globo. Lá, eu tentava fazer com que ele ficasse feliz, pois sabia que não era nada fácil ter a cabeça a prêmio o tempo todo."

"Eu surtei [com as periguetes do morro que davam em cima do marido]. Bati tanto, mais tanto [no Saulo]. Aquele homem de fuzil levando soco sem reagir. E pior que ele começou a gritar que ia matar o veado [o amigo que teria contado a ela do romance dele com uma adolescente]. Eu gritava: "O veado não participou da tua orgia, filho da puta! Covarde!".

"O amor dele [Saulo] tinha acabado. Eu fiquei do lado desse homem quando todos viraram as costas. Enfrentei bandido, repórter, polícia. Abandonei o lugar que eu nasci e fui criada. Enfrentei medo, solidão, inveja, cobiça, tristeza. Coloquei meus filhos em risco, cometi crimes, estava sendo perseguida pela polícia que me enxergava como uma debochada e esse homem me fala com a maior naturalidade: 'Acabou o amor'."

CAPÍTULO 7: NA MIRA DA POLÍCIA

"Nessas alturas, a polícia já tinha colocado escuta em todos os meus celulares, rádios. Seguia a mim e a minha família."

"Sentia muita pena do Saulo, pois há quase dois anos ele não saía do morro. A gente chorava olhando a praia da laje."

"Estava lá a minha foto na capa do jornal com a mão cheia de dinheiro. Sabe quando você faz as coisas na empolgação? Um vez, Saulo chegou com uma mochila com R$ 600 mil e queria espalhar na cama pra eu tirar foto. Meu anjo da guarda foi mais forte e resolvi não tirar."

CAPÍTULO 8: FUGA PELO BRASIL

"Fui a Maceió comprar minha casa. Que lugar lindo! Eu simplesmente me apaixonei por Alagoas. Aquele mar, água morninha e rasa. Um paraíso. Não conhecia ninguém e tinha que me virar pra achar uma casa em dois dias. Foi um pânico sair do Rio com R$ 90 mil na bolsa."

"Saulo estava no morro a todo vapor, pra juntar dinheiro e ir embora. Mas, como o crime é maldito, o laboratório dele explodiu e todo o pó produzido pegou fogo. O prejuízo foi de mais de R$ 800 mil. Assim, ele desistiu. Botou R$ 100 mil debaixo do braço e finalmente veio ao nosso encontro."

"Tinha dois anos que as crianças não faziam um passeio com o pai sem a presença de homens armados. Aos poucos, ele foi ficando descontraído. No morro, o celular dele era programado pra despertar de uma em uma hora por medo de ser pego de surpresa pela polícia."

"Jogamos um monte de roupa dentro do carro e saímos correndo pra outra cidade, pra tentar fazer contato e saber ao certo o que a polícia já sabia. A gente tinha enterrado os R$ 100 mil. Desenterramos correndo, um pânico total. Eu hoje penso de onde a gente tirava tanta certeza de que conseguiria escapar pra sempre."

"Em Pouso Alegre (MG), paramos pra tirar foto para os novos documentos e discutirmos quais seriam nossos nomes. O fato mais inusitado foi a minha filha que chorou por horas porque queria que o nome dela mudasse pra Fernanda Vasconcellos. E eu explicando que não podia, que ela seria Dalila mesmo. Imaginem a cena: a gente na mesa do bar com um papel fazendo uma árvore genealógica falsa."

"Quando nós vimos a blitz, Saulo abriu as janelas do carro e deu um grito para as crianças levantarem rápido. Sabe aquela família de comercial de manteiga? Até a cachorra ficou com a língua pra fora fazendo gracinha pros policiais. Deu tudo certo."

"Partimos pra outra casa que ficava em Maragogi [litoral de Alagoas]. Era mais humilde, só que no paraíso. Caminhamos pela praia eu, Saulo, as crianças e a cachorra. Me lembro que ele estava muito emocionado e ficou falando o tempo todo que parecia um sonho."

CAPITULO 9: O FIM DA LINHA

"Assim que acordamos e tomamos café, um homem chamou Saulo na porta de casa. Era a Polícia Civil do Rio. Dei um pulo do sofá. As crianças começaram a chorar sem parar tentando chegar perto do pai. Até o delegado ficou com pena e tirou a algema para ele acalmá-las."

"Corri muito para sair logo da casa, antes que passasse na televisão. Nós não tínhamos dinheiro. As crianças lembraram que tinham R$ 50 no porquinho. Mandei eles pegarem o que mais gostavam e saímos voando para o aeroporto. Mais uma vez, tive que abandonar minhas coisas. Tinha na conta exatamente o valor de três passagens."

"O cara de pau [Saulo, após declarar que o amor tinha acabado, pouco antes de ser preso] me abraçou e teve a coragem de falar no meu ouvido: 'Bibi, preciso de você do meu lado. Você vai aguentar até o fim, né?'. E eu falei: 'Sim, lógico'. Mulher apaixonada é otária."

"Resolvi ir até a delegacia pra buscar meu laptop e minha máquina digital apreendidos. Na delegacia, dei de cara com os homens que me perseguiram por dois anos e foram meus algozes. Por incrível que pareça, eles mudaram minha visão distorcida e me mostraram que existem policiais honestos que estão trabalhando pelo bem da sociedade."

"Os policiais ficaram estarrecidos com a minha cara de pau, de ir lá toda serelepe, querendo minhas fotos de volta. Devo muito do que sou hoje a esses caras. Eles botaram um freio em mim."

CAPÍTULO 10: A VIDA DEPOIS DO TRÁFICO

"Eu ainda estava proibida de pisar onde fui criada. Não me restava alternativa a não ser mudar pra Rocinha."

"Nem [que só seria preso às vésperas da ocupação do morro] sempre, dentro das limitações dele, me ajudou, me protegeu. Ele é um cara que mete a porrada nas mulheres dele no meio da rua, sem dó. Já quebrou costela de uma, deu com a cara da outra num carro e choque em outra. Comigo ele não tinha soberba de 'chefe do tráfico'. Eu era amiga dele, até mesmo antes de meu marido ser."

"As visitas [a Saulo, na cadeia] se resumiam em sexo, sono e invenções de moda. Ele me pentelhava para tentar fazer em casa uma droga chamada metanfetamina. Tinha lido numa revista e cismou que eu tinha que dar meu jeito pra fazer. Eu até entrava na onda e começava a pesquisar. Graças a Deus, ele mudava de ideia e inventava outra."

"Não teve uma operação policial na Rocinha que a polícia não tenha vindo aqui na minha casa revirar tudo."

"A internet me distraía. Eu tinha noivo em Dubai, no triângulo das Bermudas. Me divertia muito, pois eu não falava a língua deles nem eles a minha. Meu MSN bombava."

"Não foi fácil cortar o vínculo com Saulo. Eu o amava, mas não conseguia superar a falta de lealdade dele [que a teria trocado por uma menina do morro, assim que a nova namorada completou 18 anos e pode ir às visitas íntimas]. Percebi que o crime tinha vencido e me roubado mais um homem."

"Ao botar na balança tudo que tinha acontecido em dois anos de Rocinha [após a fuga da prisão] e dois de cadeia [quando ele foi recapturado], percebi que a ganância e a busca pelo poder destroem. Muitas pessoas acreditam que somente quem usa a droga é que tem sua vida destruída. Ele não usava drogas, eu não usava drogas e no fim fomos destruídos."

"Quando me separei, mais uma vez percebi que no submundo do tráfico a mulher não passa de uma ferramenta, um objeto que é descartado assim que não se enquadra mais."

"A grande dificuldade de sair desse meio é o lado psicológico. Voltar a ser uma pessoa de bem era cada vez mais difícil. O fato de eu ter casa, roupas e joias não me dava garantia de que eu conseguiria ter paz novamente."

EPÍLOGO

Bibi chegou a ser processada por apologia ao crime, mas foi absolvida.

Em várias passagens do livro, ela dá pistas de que foi cúmplice de crimes, como transportar armas e dinheiro do tráfico. Nunca foi pega pela polícia nem deixou rastros de sua participação ativa.

Viu muita gente matar e morrer. Testemunhou, impotente, o triste fim de uma garota de 15 anos que namorava um segurança do tráfico e engravidou de outro. "Os caras entraram armados e falaram: 'Levanta e vem que o gato preto chegou pra você, porra!' Quer morrer aqui, piranha?".

Viu depois um daqueles homens se vangloriando: "Já era, voou de paraquedas lá nas paineiras!".

A protagonista de "Perigosa", o livro e futura minissérie, foi testemunha também de corrupção policial. Relata o acordo para garantir mordomia para o seu homem preso numa delegacia: "Os policiais entraram e já avisaram que não teria esculacho. Eles sentaram e começaram a negociar como se estivessem na bolsa de valores negociando ações".

Chegaram a um acordo. "Ficou fechado em R$ 80 mil mais quatro fuzis e o nosso carro", escreveu Bibi.

Na Rocinha, pós-UPP, a ex-mulher de Saulo foi presa e, logo após liberada, por desacato à autoridade, quando sua festa de aniversário de 30 anos foi denunciada pelo som alto.

Na noite da ocupação do morro, Bibi sabia que o seu "cafofo" seria um dos mais visados pela polícia. Naquela madrugada insone, enquanto o Exército e o Bope ganhavam terreno favela acima, ela tratava de se livrar de uma cobra, a Samanta, e de um tucano.

Os bichos de estimação da família foram liberados na mata após tentativas frustradas de serem resgatados pelos bombeiros ou alguma entidade de proteção aos animais. "Só me faltava, depois de tudo que vivi, ir parar na cadeia, por um crime inafiançável, por causa dos meus bichinhos."

Fabiana Escobar escapou dessa também. Era o Estado chegando para acabar a sua festa, literalmente.


Endereço da página:

Links no texto: