Folha de S. Paulo


Hotel luxuoso de SP abrigou união das famílias que criariam a Votorantim

"É que este coração já se cansou de viver só. E quer então morar contigo no Esplanada."

O poema em que Oswald de Andrade sacrifica sua solteirice por Tarsila do Amaral (e que foi musicado por Cazuza) mostra o romantismo que o hotel mais luxuoso da cidade, aberto em 1923, provocava em seus frequentadores.

Inaugurado no mesmo ano do carioca Copacabana Palace, ambos pertenciam à poderosa família Guinle, que tinha a concessão do porto de Santos, por onde saía boa parte do café do país. Ambos tiveram apoio de recursos federais. O presidente Epitácio Pessoa queria hotéis de luxo prontos para a comemoração do Centenário da Independência. Ambos só ficaram prontos um ano depois dos festejos.

Ainda assim, virou referência de elegância —e a rica família industrial italiana Crespi se tornou a principal acionista em pouco tempo. Artistas circulavam por seus salões. O edifício neoclássico servia de hospedagem a divas e divos em temporada no Theatro Municipal. Um túnel, hoje fechado, ligava os dois.

Mas foi uma festa de noivado, em 1925, que marcaria o destino do Esplanada. A união de Helena Pereira e José Ermírio de Moraes aconteceu no salão nobre no primeiro andar, com uma vista desimpedida para o Anhangabaú. Os edifícios Light, Matarazzo e CBI surgiriam muitos anos depois, e o viaduto do Chá ainda era uma singela estrutura de metal com assoalho de madeira.

Poucos anos antes, o pai da noiva, o imigrante português Antonio Pereira Ignácio, havia comprado as indústrias Votorantim em Sorocaba. Ele, que chegou ao Brasil aos dez anos e era sapateiro, como seu pai, virou depois comerciante e industrial, tendo a segunda maior tecelagem do Estado, só menor que a da família Crespi.

Já o noivo nasceu no interior de Pernambuco, quando o engenho da família já não conseguia competir com as modernas usinas. Perdeu seu pai aos dois anos e as finanças açucareiras estavam em baixa. Sua mãe, a viúva dona Chiquinha, investiu na educação. Mandou o herdeiro para o Colégio Alemão do Recife e, depois, para os EUA, onde se formou como engenheiro metalúrgico no Colorado.

O educado jovem encantou o riquíssimo autodidata português, que o convidou para ser diretor da Votorantim e ainda lhe apresentou a filha.

Quarenta anos depois daquele casamento, em 1965, o hotel fechado deu lugar à sede da Votorantim. Como o filho e sucessor no comando do grupo Antonio Ermírio dizia, "voltamos para onde tudo começou". Em 2012, o grupo vendeu o prédio ao governo do Estado. Desde 2014, abriga a Secretaria de Estado da Agricultura.

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EDIFÍCIO ERMÍRIO DE MORAES (EX-ESPLANADA)
(1921)
Pça. Ramos de Azevedo, 254


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