Folha de S. Paulo


Não há nenhuma garantia ou demérito em ser empresário e político

No dia da eleição, Fernando Haddad declarou que estava "confrontando um projeto privatista, que vê a cidade como ponto de negócio". A frase ecoou o pior da era Dilma: demoniza privatizações, enquanto o próprio PT fazia concessões e vendia ativos da Petrobras na baixa.

Com desemprego nas alturas –a crise não era invenção da mídia–, o eleitorado, especialmente da periferia, abraçou o candidato com trejeitos de fazedor e que aparentava se importar com retomada econômica.

Entre as muitas promessas de Doria, estão um "Poupatempo Empreendedor", que simplificará processos de abertura e encerramento de empresas (Haddad promete algo assim há tempos).

Doria anuncia a privatização do Anhembi, enquanto a concessão privada de Haddad para a futura arena ali também atrasou. Os muitos Arcos (do Futuro, do Tietê) não saíram do papel.

Vivemos uma era de ressaca de estatismo desastrado, em que bilionários investimentos públicos em teles, navios sonda, refinarias e empreiteiras amigas deram perda total. O papo "ambiente de negócios" rende votos agora.

A musiquinha do Senna usada na vitória do novo prefeito e seu gosto por Romero Britto não indicam lá muito critério, mas não há nenhuma garantia ou demérito em ser empresário e político. Trump e Berlusconi são um vexame, mas algumas das maiores barbeiragens em Brasília foram obra de políticos de carreira e tecnocratas gerentões.

Já o magnata Michael Bloomberg, 770 vezes mais rico que Doria e filantropo comprometido, foi eleito e reeleito para três mandatos como prefeito de Nova York. O tucano já disse que quer seguir o exemplo dele (poderia aprender muito com o nova-iorquino, especialmente em mobilidade).

Progressista no social e pró-mercado na economia, Bloomberg foi eleito pouco depois do 11 de Setembro. Milhares de empregos tinham virado pó.

Sabendo que a tecnologia desafiava os setores econômicos tradicionais, fez de tudo para criar um "Vale do Silício" local.

Convocou um concurso internacional, oferecendo um enorme terreno na ilha Roosevelt para a universidade que topasse criar um campus tecnológico. Facilitou a criação de start-ups em antigas áreas industriais e portuárias no Brooklyn e cursos de programação nas escolas. Promoveu o rezoneamento de 40% de Nova York, permitindo mais adensamento, mas obrigando os incorporadores a investir em áreas públicas e parques.

Nomeou gente muito preparada, trabalhando com dados, tendo que provar resultados antes de estender programas. Nova York virou um laboratório urbanístico –80 mil metros quadrados de ruas foram transformados em áreas para pedestres. As imagens de desespero das crises de 2001 e 2008 ficaram para trás, e imigrantes não param de chegar lá.

Alckmin, o padrinho de Doria, promete um grande parque tecnológico há quase dez anos no Jaguaré, mas não se vê nenhum "acelera" por ali; Google, Itaú e Porto Seguro criaram incubadoras de start-ups em meses. As estações de metrô se arrastam. Se quiser fazer diferença, Doria precisará acelerar nas" pistas em que tucanos derrapam, pois ressacas sempre passam.


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