Folha de S. Paulo


A nova Nova York

Cerca de 900 mil brasileiros visitaram Nova York no ano passado (eram 250 mil em 2007) e o número não para de crescer. Fogem do protecionismo da economia brasileira --compram brinquedos, eletrônicos e roupas a um terço do preço no Brasil e com qualidade invariavelmente superior.

Pobre de quem não pode viajar --para a vasta maioria dos brasileiros, sobram os produtos caros, de qualidade inferior ou de pouca variedade a que nos acostumamos por décadas. Até os mais empedernidos protecionistas são vistos carregando mil sacolas com presentes para a família em Nova York. As máscaras caem por aqui.

Mas é um desperdício tratar Nova York apenas como um shopping center. A grande aula da cidade está em seu urbanismo, não no consumo. Como uma cidade de 8 milhões de habitantes, região metropolitana de 18 milhões e 52 milhões de turistas por ano consegue ser tão funcional e vibrante?

Depois de derrotar a violência (em 1990, eram 2500 homicídios por ano; em 2012, foram 416), a cidade não parou de se reinventar. Primeiro: ela domou os carros. Nos últimos anos, fechou boa parte da Broadway, de Times Square e de outras ruas movimentadas aos carros e ampliou calçadões --e fez 450 km de ciclovias. Mesmo com uma vasta rede de metrô, muita gente preferiria andar de carro (como acontece em Paris ou Pequim), intoxicando o ar e obrigando obras que tiram espaço dos pedestres. Nova York dobrou o lobby dos carros e faz jus a ser a terra da urbanista Jane Jacobs, que nos anos 50 e 60, fez campanhas que derrotaram obras viárias que deixariam a cidade um pouco com a cara de São Paulo.

Depois de salvar o Central Park e outras dezenas de parques nos anos 80 e 90, a expansão verde continuou. Surgiram novos parques costeiros nas beiradas de Manhattan, do Brooklyn e do Bronx nos últimos 5 anos. Perto do East Village, eu ia a pé ao East River Park, com ciclovias, pistas de corrida, campos de futebol, mesas e muitos, muitos bancos --onde antes era quase um lixão vizinho às marginais novaiorquinas.

Nova arquitetura tem surgido por todos os lados. Com o sucesso da cidade, que obviamente inflacionou o m² (coisa que conhecemos bem no Brasil), felizmente as autoridades locais têm exigido parâmetros de construção e urbanismo das empreiteiras desconhecidos no Brasil. De obrigação de usos mistos nos prédios e térreos com estabelecimentos comerciais a pouquíssimas vagas de estacionamento, mesmo em arranha-céus. Pensando no futuro.

O ativismo social cidadão cuida da cidade enormemente, do patrocínio e da mobilização à crítica mais dura --graças a ele, há um parque sensacional como o High Line, o pequeno Minhocão novaiorquino, que oferece uma vista única da cidade.

Ativismo, aliás, que felizmente começa a despontar em São Paulo (como os de grupos espertos como o Movimento Boa Praça, Bancos de Praça com Encosto, Malditos fios da Eletropaulo, Plano de Bairro da Vila Pompeia e vários outros). Temos muito a aprender com Nova York e com a enorme capacidade de dar a volta por cima dos novaiorquinos (a prefeitura novaiorquina faliu oficialmente nos anos 70) e dos milhares de imigrantes que lá chegam e constroem seu espaço todos os anos.

A cidade ainda tem uma multidão de problemas, mas quem prefere uma vila alpina? Os milhões que vão para lá todo ano parecem expressar sua aprovação.

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Esta coluna é emotiva porque é a primeira que escrevo de Washington, aonde sou o novo correspondente da Folha, e marca minha despedida de Nova York.
Foram nove intensos meses morando na maior cidade americana _ onde cobri da supertempestade Sandy (quando sem luz, sem água, sem internet, nem sinal de celular por uma semana!) à campanha eleitoral americana. De tragédias como as chacinas que psicopatas promoveram em Aurora e em Newtown à tempestades de neve.

Mas foi em Nova York que consegui entrevistar grandes figuras, de Bill Gates ao dissidente chinês Chen Guangcheng, passando pelo Nobel de Economia Daniel Kahneman ao criador do plano de saúde universal do Obama, Jonathan Gruber, do criador do Tumblr, David Karp, à supersecretária de Transportes de Nova York, Janette Sadik-Khan a grandes nomes da minha profissão, como Tina Brown, Andrew Sullivan e David Carr. E Robert Hammond e Joshua David, os ativistas que conseguiram botar o projeto do High Line em pé.

Escrevi de temas diversos, da criação do concorrente do MIT em Nova York (entrevistando o reitor do novo campus de Cornell, Dan Huttenlocher), a "faculdade do futuro", que recebeu uma doação de 400 milhões de dólares de um ex-aluno de Cornell; ao maior apoio ao casamento gay e à liberação da maconha, ambos já acima de 50% de aprovação entre os americanos.

De Las Vegas se transformando em grande destino turístico para brasileiros a que brinquedos fazem mais sucesso entre os turistas brasileiros em Nova York, sempre em compras, e as tendências desse setor.

Pude cobrir a inauguração da única obra do falecido arquiteto Louis Khan na cidade, o incrível memorial ao presidente Roosevelt; e a criação do novo Museu da Matemática. Seria ótimo que os brasileiros, entre uma compra e outra, aprendessem o que faz Nova York ser tão especial. As calçadas largas, as ruas mais estreitas, lojas e comércios nos térreos, com mistura de usos comerciais e residenciais nos prédios, promovendo uma locomoção mais racional, sem recuos, grandes e barreiras --e olha que, de violência, eles também entendem.

O nome desta coluna remete a um grande texto de Simon Romero, correspondente do New York Times no Brasil, sobre a "nova nova São Paulo". Como ele, também me sinto na missão de deixar mais conhecido um pedaço do mundo tão importante, mas que às vezes é visitado apenas superficialmente, entre umas comprinhas e outras. Andar sem sacolas na mão é terapêutico.


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