Folha de S. Paulo


Agenda de transparência pós-Santa Maria

Empresários da noite esperam dois, três anos para conseguir um alvará, com a casa noturna já funcionando e um reles protocolo na mão. Governos fazem listas enormes de exigências e tecnicidades que mal conseguem vistoriar. E isso acontece na maior e mais rica cidade do país, São Paulo. Imagina no resto do Brasil.

O risco pós-tragédia de Santa Maria é que prefeituras compliquem ainda mais os procedimentos, o que só pioraria a situação descrita no parágrafo acima. Quanto mais complicado e moroso, melhor para fiscais corruptos venderem jeitinhos e vistas grossas ou oferecerem consultorias de amigos. Além de favorecer a corrupção, não garantem nenhuma melhoria nas condições de segurança de baladas, bares e restaurantes país afora.

Na justificada fúria regularizadora que deve durar os próximos dias, o que adoraria ouvir e ver é um prefeito que diga que, a partir de agora, os trâmites serão mais transparentes. Imagine que o pedido de alvará seja feito pela internet. Que os documentos necessários --vistoria de Corpo de Bombeiros, projeto arquitetônico com saídas de emergência, sinalização, iluminação adequadas, extintores e afins --também sejam anexados, para quem quiser ver-- na rede. Não só o público comum poderia checar a situação oficial de seus locais de entretenimento, como os empresários teriam como pressionar o poder público, mostrando a prefeitos que os pedidos andam engavetados, hibernando, à espera do melhor humor na fiscalização.

As secretarias responsáveis pela regularização teriam o número exato de prédios a serem vistoriados e teriam como avaliar a "produtividade" dos fiscais. Se só um local foi vistoriado hoje, pelo menos os chefes acima teriam condições de suspeitar que algo anda errado. Dados contra achismo. Metas a serem cumpridas. O mínimo.

No país dos cartórios, do "reconhecimento de firma", de autenticação de milhares de papéis que jamais alguém irá checar, ler ou utilizar, medida preventiva e efetiva precisa ser ligada à desburocratização, à simplificação e, principalmente, à transparência. Tecnologia existe para dificultar o trabalho de máfias. Há empresários desonestos em tudo quanto é área e que precisam ser brecados, mas é terrível quando até os honestos se sentem perdidos, sem saber como operar legalmente.

Quando vejo que outros países em desenvolvimento, como Turquia e México, conseguiram reduzir, por exemplo, o processo de abertura de uma empresa para 15 dias em média, tudo feito online, vejo que as mudanças são mesmo possíveis. E como o Brasil "bombando-bola-da-vez", onde abrir uma empresa pode levar quatro meses, ainda está atrás, muito atrás, dessa corrida pela eficiência e pela confiança no Poder Público.

@rauljustelores


Endereço da página: