Folha de S. Paulo


Hora de restaurar a Roosevelt

Imagine uma pequena fortuna gasta com a reforma do seu banheiro. Pouco depois da entrega, você percebe que há entupimentos recorrentes, o azulejo foi feito pela metade, a pia está descolando.... Você não ficaria de braços cruzados, né?

É o que a Prefeitura de São Paulo deveria fazer, depois de ter gasto mais de R$ 55 milhões na reforma da praça Roosevelt, no centro. Menos de quatro meses depois de inaugurada, ela já tem cara de praça sofrida.

E nem todos os skatistas do mundo poderiam produzir as evidentes falhas de acabamento que fotografei nas fotos acima. Quatro meses após a inauguração, ainda existem caçambas de lixo (!!!) na praça, tapumes e uma área sobre o início da Radial inacabada.

São remendos que já a deixam com cara de lugar abandonado. E sabemos bem como lugares abandonados são tratados. O chão limpo do Metrô inibe os porcalhões; já uma praça avacalhada....

Temos tão poucos espaços públicos na cidade, que qualquer um, até o Minhocão, acaba sendo "apropriado" por multidões. O que fala mais da carência do que da qualidade dos espaços. Passar a mão na cabeça do poder público e dizer, "ah, pelo menos está cheia de gente", é um desserviço para futuras obras públicas, feitas igualmente sem projeto ou criatividade, sem capricho ou objetivos claros.

Pense em um brainstorming feito hoje à tarde com cinco bons arquitetos e engenheiros, alguns sociólogos, políticos, jornalistas, esportistas e, por que não, skatistas. Certamente sairia algo muito melhor do que a prefeitura levou pelo menos cinco anos para pensar.

De quem olha a partir da rua da Consolação, só consegue ver as dignas escadarias do Bonfim nos principais acessos.

Há mais de 60 anos, Oscar Niemeyer visualizou uma enorme marquise no Ibirapuera, para os dias de chuva ou sol inclementes. O telhadinho da Roosevelt mal produz sombra e não serve de abrigo para a chuva. Qual a sua finalidade?

Os canteiros da Roosevelt provocam a mesma revolta. Nem produzem sombra, nem servem como gramado (presentes em qualquer praça de Buenos Aires), para sentar, ler, namorar em dia de tempo bom. O Parque da Juventude, no Carandiru, tem soluções simples a anos-luz do que se vê na nova obra.

A grande pista de concreto da Roosevelt, cheia de obstáculos (canteiros, postes e afins) sequer faz dela um lugar ideal para grandes espetáculos ou feiras. Ela se transformou em apenas uma modesta pista de skate, sem rampas ou grandes desafios para evoluções. Até as baratas mesinhas para xadrez, damas e jogos de cartas, presentes em praças simples de Santos, estão ausentes sobre a tal marquise porosa da Roosevelt. Idosos e crianças ganharam espaços marginais na obra.

Há mil modelos de praças de sucesso --das secas, sem uma árvore, como a Plaza Mayor, de Madrid, o Zócalo, da Cidade do México, ou a San Marco, de Veneza.

Grandes pontos de encontro, esplanadas para grandes eventos ou mesinhas de bares e restaurantes nas laterais.

Há as multiúso, com fonte, espaço para artistas de rua e mesinhas para se jogar xadrez na nova-iorquina Washington Square; ou com pistas de skate e quadras esportivas, como a recém-aberta na base na Manhattan Bridge, em Nova York.

Barcelona e Chicago colocam grandes obras de arte em suas praças, para dar o status que elas merecem no tecido urbano. Na São Paulo do grafite, me surpreendeu não ter um único mural que poderia ser o presente perene dos artistas urbanos à uma cidade tão sem cor.

Não se sabe o que se buscou com a nova Roosevelt, pois parece um deserto, não só na estética. Há três quiosques de vidro no meio, um para abrigar uma modesta mesa para guardas de plantão, e outro com uma pequena exposição sobre a reforma. Como tudo parece improvisado, devem ter decidido na última hora a finalidade dos tais aquários. A briga de skatistas contra alguns moradores é reflexo do "vamos ver no que é que dá". Planejamento, regras claras de utilização? Conceitos alheios à obra de longa duração.

A ladainha costumeira dos governos é que, dada a morosidade de concursos de arquitetura e outras burocracias, eles preferem simplificar as obras e "fazer o que dá". Mas a Roosevelt teve doze anos de "revitalização", desde a chegada dos Satyros ali, capitaneada por companhias de teatro --e se passaram três gestões (Marta, Serra, Kassab) para requalificar aquele espaço.

Uma praça icônica, mas que já tinha virado estacionamento nos anos 60, transformada em tampão do Minhocão no urbanismo malufista, e em pré-cracolândia nos 90, poderia servir de símbolo de um novo tempo para os espaços públicos na cidade. Teve tempo e dinheiro para isso, mas será necessária outra reforma para virar uma bela praça de verdade.


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