Folha de S. Paulo


O futuro da Luz

Na semana passada, uma ação desencontrada da prefeitura e do Governo do Estado de São Paulo na região da Luz terminou em mais um lamentável espetáculo de violência, envolvendo Guarda Civil Metropolitana, Polícia Militar, usuários de drogas, moradores, comerciantes e frequentadores da região, resultando em depredações e várias pessoas feridas.

Desde que assumiu a prefeitura, a atual gestão busca lidar com o problema dos usuários de drogas sob a perspectiva da assistência social e da saúde mental, com um programa que atende os viciados que ocupam precariamente as ruas da região, oferecendo moradia em hotéis locais, refeições e emprego de varrição de rua. Enfrentar a drogadição, especialmente em condições de extrema vulnerabilidade socioeconômica, não é nada fácil, e mesmo o mais cuidadoso dos programas dificilmente apresentará resultados no curto prazo.

É preciso lembrar que o que se chama hoje de cracolândia é produto de políticas municipais e estaduais para o bairro da Luz. A partir de meados dos anos 2000, onde existia um bairro, o poder público promoveu uma terra de ninguém, demolindo alguns edifícios, esvaziando outros e transformando a região em ruínas. Naquela época, a prefeitura parou de recolher o lixo, de cuidar das ruas, da iluminação, fechou o Shopping Fashion Luz, que gerava grande movimento comercial e, com isso, o local ficou abandonado, passando a atrair pessoas também abandonadas, como são os usuários de crack.

Ao bairro "degradado" se ofereceu então a solução final, o projeto Nova Luz, que pretendia demolir o bairro e transferi-lo inteiramente (com ruas e lotes) para a incorporação imobiliária, por meio de uma concessão urbanística. Enquanto isso, a política para os usuários de drogas era varrer da vista, "exportar" essa população para suas cidades de origem ou encarcerar, promovendo internações forçadas e ocupando militarmente a região.

Comerciantes da Santa Ifigênia e moradores do bairro, entretanto, se organizaram e conseguiram interromper na Justiça o projeto Nova Luz, que desconsiderava sua existência e demandas. Enquanto isso, quanto mais violentas as ações antiviciados, mais cracolândias se disseminavam na cidade, voltando como um bumerangue ativado pela repressão e supressão.

Assim que assumiu a prefeitura, a atual gestão suspendeu o projeto Nova Luz, em desacordo com a proposta. Mas isso não foi acompanhado de nenhum novo plano urbanístico para a área. A expectativa dos que integravam o movimento de resistência ao projeto Nova Luz era poder participar, enfim, da elaboração de um plano de urbanização da Zona Especial de Interesse social (Zeis) que existe no bairro, integrado a um plano de melhorias urbanísticas e, principalmente, de gestão da região comercial.

Não existe, hoje, nenhuma proposta para tratar e cuidar da região, devolvendo qualidade urbanística a um lugar que é absolutamente vivo, dinâmico e central para a cidade de São Paulo. Ações como a da semana passada, que tinha como objetivo desmontar barracas utilizadas por usuários e traficantes de drogas, jamais terão sucesso se a área continuar como está: semidestruída e com destino incerto. É urgente, portanto, iniciar um novo debate sobre o que queremos para a região da Luz.


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