Folha de S. Paulo


2013: o ano que não terminou

Um novo ano começa, mas 2013 não terminou... Essa é a sensação. Parece que os ventos soprados pelas manifestações de junho continuarão nos acompanhando em 2014. E talvez por vários anos ainda...

Apesar da ansiedade que esse tema possa gerar, devemos resistir a traduzir apressadamente a energia das manifestações para um conjunto de demandas pragmáticas concretas.

Não devemos tomá-las como reivindicações e questões para as quais precisamos produzir respostas claras.

Parafraseando Slavoj Zizek em sua análise do Occupy e de outros movimentos que eclodiram nos últimos anos na Europa e no Oriente Médio, os protestos realmente criaram um vazio e será necessário algum tempo para preenchê-lo.

No caso brasileiro, entre a multiplicidade de pautas das manifestações, explodiu a questão urbana. Apesar de nossas cidades terem sido desde sempre caóticas, com baixíssimo grau de qualidade urbanística, nunca antes a questão urbana esteve presente com tamanha força na agenda do país.

Não se trata de um fenômeno exclusivo de São Paulo nem do Rio de Janeiro. Praticamente todas as grandes cidades brasileiras, e mesmo algumas de médio porte, hoje são tomadas por debates, questionamentos e protestos.

Refletindo sobre por que a questão urbana entrou na agenda justamente nesse momento, arriscaria apontar alguns caminhos.

Em primeiro lugar, que o aumento da passagem do transporte público coletivo tenha sido pontapé e principal pauta das manifestações de junho não é coincidência.

Se durante muito tempo as classes média e alta se deslocaram pelas cidades com rapidez e conforto em seus carros particulares, de uns anos para cá, as classes mais baixas que dependiam exclusivamente do péssimo serviço do transporte público coletivo começaram a comprar carro também.

O resultado não poderia ter sido outro: a imobilidade completa de nossas cidades. Simplesmente, as ruas não comportam a quantidade de carros e motos que o mercado vem jogando nelas todos os anos.

Isso atingiu as classes que sempre tiveram o privilégio de ocupar, sozinhas, a maior parte do espaço das ruas e que agora passaram a ter que dividi-lo.

Porém, atingiu principalmente os que continuaram dependendo do transporte público coletivo e que, além de sofrer com a imobilidade, ainda tiveram que suportar sucessivos aumentos de tarifas sem ver melhorias na eficiência e na qualidade do serviço prestado.

Poderia apontar outros temas que engrossaram o caldo do questionamento do nosso modelo de cidade: a luta por moradia em um contexto de boom imobiliário no qual há cada vez menos lugar para os mais pobres, os sentidos do espaço público e a reduzida participação dos cidadãos nas decisões sobre o destino das cidades.

Todas estas questões, enfim, são de natureza estrutural, enraizadas no modo dominante de fazer nossas cidades, e requererão anos de reflexão e imaginação política para serem transformadas.

Por isso, o ano de 2014 nos desafia a não esperar soluções mágicas e a continuar -nas ruas e fora delas- a formular respostas, mesmo sem ainda saber exatamente para quais questões.


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