Folha de S. Paulo


Sou a favor da privatização da Eletrobras, mas com ressalvas

Pilar Olivares - 20.ago.2014/Reuters
Fachada da Eletrobras, no Rio de Janeiro (RJ). *** A view of the headquarters of Brazil's power company Eletrobras in downtown Rio de Janeiro August 20, 2014. REUTERS/Pilar Olivares (REUTERS - Tags: BUSINESS POLITICS)
Fachada da Eletrobras, no Rio de Janeiro (RJ)

Sou a favor da privatização da Eletrobras, do aeroporto de Congonhas, da Casa da Moeda, e de praticamente qualquer outra estatal. Mas me preocupo com os motivos e o açodamento do governo Michel Temer.

Abro o texto com essa ressalva, porque o debate político tem sido tão irracional que as pessoas acham que é tudo preto e branco, mas o jornalista tem a obrigação de continuar enxergando a zona cinzenta.

É fácil explicar por que sou a favor da privatização da Eletrobras, um gigante que se transformou num cabide de empregos e numa fonte de caixa dois para campanhas eleitorais e enriquecimento ilícito. Aliás, como quase toda estatal, ou existe outro motivo para que partidos disputem cargos que deveriam ser técnicos?

Além disso, a experiência mostra que a privatização melhora a prestação de serviços. As companhias telefônicas são campeãs de reclamação, mas é muito melhor do que na época que o telefone era um bem a ser declarado no Imposto de Renda.

A administração dos aeroportos foi repassada à iniciativa privada, e as mudanças na estrutura e na oferta de serviços são significativas em Guarulhos, Brasília ou Viracopos.

É verdade que também existem casos de corrupção nas privatizações e de manutenção indevida de interferência do governo nas empresas.

O exemplo mais recente é o envolvimento das construtoras, sócias das concessionárias dos aeroportos, na Operação Lava Jato. Mesmo assim, o problema não é a privatização, mas a persistência da relação promíscua entre Estado e setor privado.

Feitas essas considerações, é preocupante o açodamento do governo Michel Temer. O pacote de privatizações, particularmente da Eletrobras, foi anunciado quase sem estudo prévio, com o objetivo de cobrir o rombo das contas públicas no ano que vem e de criar uma "agenda positiva".

Em outras palavras, para agradar ao mercado, que se tornou uma das poucas fontes de sustentação de Temer.

O setor elétrico, no entanto, é complexo e sensível demais. Qualquer erro de planejamento ou desorganização pode ser fatal para a economia, como, aliás, já experimentamos por duas vezes: no apagão, em 2001, no governo FHC, ou na desastrada intervenção de Dilma, em 2012.

Também preocupa a questão estratégica. Parece engenhosa a ideia de abrir o capital da Eletrobras na Bolsa, mas é realmente possível impedir que os chineses comprem uma boa fatia da companhia? Eles têm demonstrado enorme apetite por ativos brasileiros nessa área. Como boa parte das empresas chinesas atende interesses do governo, é razoável temer que o setor elétrico brasileiro caia em mãos erradas.

Vender a Eletrobras, portanto, é fazer a coisa certa na hora errada pelo motivo errado.

Só resta rezar para que a o núcleo político do governo permita que a equipe técnica, que é competente, trabalhe com alguma tranquilidade para conduzir o processo do jeito certo.


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