Folha de S. Paulo


Querem escravizar os trabalhadores rurais

Mauricio Lima/AFP
ORG XMIT: 510901_1.tif Trabalhador rural seleciona grãos de café, em fazenda cafeeira de Varginha (MG). ACOMPANA NOTA:
Trabalhador em colheira de café em Minas Gerais

Já defendi neste espaço que a legislação trabalhista brasileira precisa ser modernizada e que é falacioso o discurso de que estão "rasgando" a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Isso não significa, entretanto, que as mudanças devam ser aprovadas a toque de caixa e que não existam riscos de se cometerem excessos prejudiciais aos trabalhadores.

Nesse sentido, as mudanças propostas para a legislação trabalhista do setor rural são um escândalo. Não é exagero dizer que, se aprovada como está, essa reforma trará o setor praticamente para um regime análogo à escravidão.

As novas regras permitiriam, por exemplo, não pagar ao trabalhador rural com salário, mas "com remuneração de qualquer espécie".

O projeto traz algumas salvaguardas, mas, na prática, abre brecha para que as pessoas trabalhem por casa e comida.

Há também outros absurdos como aprovar jornadas de 18 dias seguidos sem descanso, prolongar contratos temporários sucessivamente sem limite e até exigir que a empresa rural providencie banheiro ou local de alimentação só quando houver mais de 20 trabalhadores.

Por ser altamente polêmica, a questão é alvo de um projeto de lei separado da reforma trabalhista geral, que já foi aprovada na Câmara e seguiu para o Senado.

As regras para o trabalho rural ainda estão sendo avaliadas pelos deputados, mas contam com o apoio do governo.

Os defensores da proposta argumentam que o trabalho rural tem "peculiaridades". Não faz sentido. Todas as profissões têm características específicas, que exigem tratamento diferenciado para alguns temas.

Um dos méritos da reforma trabalhista geral é exatamente fortalecer os acordos coletivos para permitir que trabalhadores e empregadores cheguem a um bom termo, desde que garantidos direitos constitucionais como salário mínimo, décimo terceiro, férias, FGTS.

Outro esforço importante da reforma geral é reduzir as brechas para a judicialização, que encarece o custo das empresas. Mas também nesse caso é preciso cuidado.

No afã de desestimular que um funcionário de má fé processe o empregador por qualquer motivo, a reforma tem alguns escorregões perigosos.

Um deles é permitir que gestantes e lactantes trabalhem em áreas de baixa ou média insalubridade desde com atestado médico.

Qual é o sentido disso? O que deveríamos estar discutindo é como estimular as empresas a incentivar o aleitamento materno, oferecendo espaço adequado para que as mães tirem e armazenem seu leite.

No caso do trabalhador rural, as mudanças propostas são um erro grave, porque não significam apenas deixar de avançar mas retroceder e comprometer inclusive os direitos humanos.

O Brasil precisa com urgência de uma reforma trabalhista, mas não a qualquer custo.


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