Folha de S. Paulo


Sem almejar sistema mais justo, teremos 'reforminha' da Previdência

Ninguém duvida que o presidente Michel Temer conhece muito bem os "atalhos" do Congresso, mas a aprovação da reforma da Previdência não será um "passeio". Além de complicado e impopular, o tema vai ser votado com os parlamentares já atentos às eleições de 2018.

Portanto, não surpreende a declaração do presidente de que a reforma será flexibilizada. É até bom que seja, afinal não estamos numa ditadura e a proposta do Executivo não é perfeita. O governo, no entanto, precisa ter clareza de que não pode abrir mão de alguns princípios fundamentais, sob risco de passar uma "reforminha" após tanta expectativa.

O primeiro princípio é garantir a sustentabilidade fiscal do país. Desde que não seja algo muito fora da curva, é possível rediscutir aspectos da regra de transição, da aposentadoria rural, da diferença entre homens e mulheres, do benefício para idosos e pessoas com deficiência. Mas, se quiser colocar as contas em ordem, o governo não pode mexer muito na idade mínima de 65 anos para a aposentadoria.

Estabelecer esse limite vai reduzir o tempo durante o qual o sistema pagará os benefícios aos aposentados, liberando dinheiro para investimentos em infraestrutura, saúde, educação, etc. Hoje metade da despesa primária da União (sem incluir o pagamento de juros) vai para aposentados e pensionistas. E isso vai aumentar a medida que o país envelhece.

O mercado, que vive de especulação, já aproveitou as indefinições sobre a reforma para derrubar a bolsa e elevar o dólar. Preocupada em tirar o país da recessão, a equipe econômica está muito atenta à percepção dos investidores e é por isso que Temer vem repetindo —pelo menos até agora— que a idade mínima de 65 anos é inegociável.

O segundo princípio da reforma, e provavelmente o mais importante, é promover mais igualdade no injusto sistema previdenciário brasileiro, que permite que um juiz se aposente ganhando R$ 30 mil, enquanto a maioria da população recebe salário mínimo. E, nesse ponto, parece ser só apertar que o governo solta.

Temer já escorregou na largada ao excluir os militares da reforma. Recentemente disse que os servidores estaduais e municipais também ficariam de fora, embora não exista consenso dentro de sua equipe sobre como fazer isso. No Congresso, deputados já sinalizam que podem tirar também os professores.

Outro absurdo que o governo já admite manter em alguma proporção é o acúmulo de benefícios, que permite que uma mesma pessoa some duas, três, até quatro aposentadorias. O exemplo mais evidente é a servidora pública, professora, casada com um servidor público, que também seja professor. Quando o marido morrer, ela terá simplesmente quatro aposentadorias pagas com dinheiro público.

Segundo cálculo do especialista do Ipea, Paulo Tafner, o porcentual de aposentados e pensionistas que recebem mais de um benefício dobrou nas últimas duas décadas, saindo de 15% em 1993 para 30% em 2014, uma consequência da entrada da mulher no mercado de trabalho. Ele calcula que vai chegar a 70% em 2040. Como um número cada vez menor de jovens no mercado de trabalho vai financiar isso?

Alçado ao posto mais alto da República por acaso, Temer tem a oportunidade de alcançar o que muitos presidentes com amplo apoio popular não conseguiram e corrigir uma das piores distorções brasileiras. Mas, para isso, vai precisar ser muito hábil e aprovar a reforma da Previdência sem abrir mão de fazer justiça. Até agora, os sinais não são animadores.


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