Folha de S. Paulo


Temer, o reformista, vai ter coragem de mexer com os sindicatos?

O presidente Michel Temer gosta de dizer que seu governo é "reformista". Conhecedor das entranhas do Congresso, ele realmente já tem um histórico impressionante nos sete meses em que ocupa o cargo de forma definitiva.

Aprovou o teto dos gastos públicos, encaminhou a reforma da Previdência e agora flerta com a reforma trabalhista ao colocar a terceirização de funcionários em vias de ser legalizada.

A situação brasileira, no entanto, é tão complicada, que corrigir uma distorção pode levar a outra. Ao aprovar a terceirização, o governo teria que encaminhar com urgência uma reforma sindical, se não quiser penalizar os trabalhadores.

Terceirização
Entenda a discussão trabalhista

Mas esse é um vespeiro que o presidente "reformista" não parece disposto a mexer. Afinal uma reforma sindical séria vai contrariar lobbies poderosos.

Se não houver fraude, regulamentar a terceirização não significa rasgar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas, por outro lado, reduz o poder de barganha dos trabalhadores junto aos patrões.

Funcionários contratados por empresas terceirizadas, independente de que atividade que realizem, continuam com registro em carteira e, portanto, com direitos garantidos.

Ao contrário do que se pensa, regulamentar a terceirização não libera a "pejotização"—demitir um funcionário e transformá-lo numa microempresa sem direitos e benefícios. Para alguns especialistas, esse tipo de fraude se torna ainda mais passível de punição com a nova lei.

A terceirização já é uma realidade no país e sua regulamentação reduz custos não só para as empresas, que melhoram sua eficiência, mas também para a sociedade.

Empresas terceirizadas de limpeza, segurança, call center ou qualquer outra atividade tem mais facilidade para realocar funcionários se um cliente está numa situação complicada. Por isso, ajudam a reduzir as demissões e o pagamento de seguro-desemprego pelo governo.

Além disso, embora ainda seja passível de contestação, regulamentar a terceirização vai reduzir o número de processos na Justiça, que consomem um enorme volume de recursos públicos.

No entanto, ao desvincular o funcionário do cliente para o qual ele presta serviços, a terceirizadora atua como um mecanismo que reduz o poder de barganha do trabalhador para negociar reajuste de salário, benefícios e condições de trabalho.

Com medo do desgaste político, os aliados de Temer se movimentam para aumentar as salvaguardas de proteção ao trabalhador na nova lei, que, nesse momento, são bem vindas e necessárias, mas estão longe do ideal. "Em vez de tutelar o trabalhador, o papel do governo deveria ser fortalecê-lo na negociação com as empresas", disse à coluna Sérgio Firpo, professor do Insper e especialista no tema.

E isso só pode ser feito por meio de sindicatos fortes. O Brasil possui hoje uma miríade de sindicatos, inclusive patronais, sem qualquer representatividade, que podem ser facilmente cooptados por outros interesses.

Isso ocorre por conta da organização do sistema sindical brasileiro em que os trabalhadores são divididos por categorias, não podem escolher quem vai representá-los, e contribuem compulsoriamente, mesmo que não sejam filiados.

Dessa maneira, o sindicato não tem qualquer incentivo para alcançar resultados, o que significa negociar um bom acordo para os trabalhadores. Nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas escolhem livremente quem melhor as representa, o que gera competição entre os sindicatos e facilita o surgimento de mega representações de trabalhadores, com forte poder de barganha.

Aqui as pessoas são obrigadas a destinar aos sindicatos valor equivalente a remuneração por um dia de trabalho —a contribuição ou imposto sindical. É uma "bolada" que chegou a R$ 3,5 bilhões em 2016, incluindo o valor arrecado das empresas para os sindicatos patronais.

Muita gente vive desse dinheiro sem prestar contas corretamente a sociedade. Por isso, não espanta que esse governo, tão suscetível a pressões políticas, não esteja se esforçando o para corrigir essa situação, que é boa para os sindicatos, mas não para os trabalhadores.

Em tempo: Temer anunciou a retirada dos servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência, surpreendendo seus próprios técnicos que ainda estudam o que fazer. Essa concessão pode conquistar votos no Congresso, mas reduz o apoio da opinião pública.

O principal mérito dessa reforma era corrigir distorções históricas e garantir um tratamento igual para todos. Se professores, juízes, policiais, bombeiros, militares e sabe-se lá quem mais, vão continuar de fora, onde está a Justiça?


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