Folha de S. Paulo


Juros brasileiros estão fora do lugar

Alan Marques/Folhapress
Presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda a reunião do Copom
O presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda reunião do Copom

O senador Romero Jucá, líder do governo no Congresso, tem sido tão pródigo em declarações inadequadas que um de seus comentários passou quase despercebido.

Duas semanas atrás, ele disse que o Copom (Comitê de Política Monetária) deveria baixar a taxa Selic em um ponto porcentual, em vez do 0,75 ponto indicado pelo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn.

Jucá ressaltou que falava como "economista" e que a "decisão cabia ao BC", mas mandou o seu recado: o comportamento da inflação já permitia uma redução mais rápida dos juros.

Na essência, o senador está correto. Com a inflação convergindo para a meta e a recessão ainda forte, é possível e necessário que a autoridade monetária acelere a queda dos juros.

Uma maneira fácil de perceber que a Selic está fora do lugar é observar a taxa de juros real (descontada a inflação). Esse indicador é fundamental para incentivar ou desestimular o investimento.

De forma simplificada, as receitas de uma companhia crescem com a inflação, enquanto sua dívida acompanha os juros.

O custo de um investimento depende da diferença entre a inflação e os juros.

Há várias formas de calcular a taxa de juros real. Uma delas é retirar a inflação acumulada em 12 meses da taxa Selic do mesmo período. Por esse critério, os juros reais estavam em 8,22% em janeiro, conforme a consultoria 4E.

É um percentual muito superior aos 2,58% de janeiro de 2016 ou dos 3,6% de janeiro de 2015.

Na verdade, patamares semelhantes só ocorreram em 2007, antes da crise global que baixou os juros no mundo todo.

Mesmo com a queda de 0,75 ponto percentual da Selic nesta quarta-feira (22), não houve muita mudança. Ou seja, a inflação já caiu muito mais do que os juros e o BC tem espaço para estimular a economia, que está precisando muito de um empurrão.

Para o economista Juan Jensen, sócio da 4E, o Copom sinalizou que deve intensificar o ritmo de queda dos juros, mas o país já poderia estar convivendo com taxas mais baixas.

"O comitê não quis surpreender novamente o mercado", diz.

Provavelmente, o conservadorismo do BC vai um pouco além. Na gestão da presidente Dilma Rousseff, a autoridade monetária baixou os juros na marra por orientação do governo e perdeu credibilidade no mercado.

Logo, tudo o que os técnicos do BC não querem é parecer que estão sob pressão da atual administração para estimular a economia e melhorar a popularidade do governo Temer.

Dada sua proximidade com o presidente, as declarações de Jucá sobre o trabalho do BC só atrapalham. Mas é claro que, comparando com a defesa da "suruba do foro privilegiado" ou o desejo de "estancar a sangria da Lava Jato", os comentários sobre os juros soam até inocentes.


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