Folha de S. Paulo


Americanos pobres vão pagar pelo muro de Trump

As informações vindas da Casa Branca estão cada vez mais truncadas, mas parece que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, utilizou um truque retórico no seu ataque ao México.

Ao sinalizar com uma sobretaxa contra os produtos mexicanos para pagar o infame muro na fronteira com o vizinho, Trump e seus auxiliares alternavam —propositadamente ou não— as palavras "tariff" (tarifa) e "tax" (imposto).

Pelas primeiras declarações do porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, parecia que Trump planejava aplicar uma tarifa de importação de 20% contra os produtos mexicanos —uma medida desastrada de qualquer ponto de vista.

Significa implodir o Nafta (acordo de livre comércio com México e Canadá que garante livre trânsito de produtos), elevar os custos das empresas que tem plantas de produção integradas em ambos os países e desrespeitar as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio, que não permite discriminação contra um país específico).

Mais tarde, o porta-voz esclareceu que a tal sobretaxa era uma opção entre várias e estava incluída na reforma tributária proposta pelo partido Republicano, que prevê o chamado "cross tax border" —uma equalização de impostos na fronteira.

A reforma tributária em gestação pelos republicanos prevê o fim dos 35% de Imposto de Renda sobre pessoa jurídica e sua substituição por um imposto sobre valor agregado (IVA) de 20%, que incidiria sobre o consumo.

O projeto também inclui a cobrança na fronteira desse IVA para importados e isenção para os items exportados. É uma tentativa de equalizar os impostos pagos por produtos importados e nacionais, utilizada por vários países, incluindo o Brasil, que cobra IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na importação.

Essa segunda alternativa é muito menos traumática. Embora haja controvérsias se a prática é permitida ou não pela OMC, trata-se de imposto interno cobrado em todas as importações, e não apenas contra o México.

O "cross tax border" onera as empresas que trazem produtos e insumos do exterior. Mas como o setor privado americano deixará de pagar Imposto de Renda, a conta final promete valer a pena. Até por isso é provável que a reforma tributária signifique um aumento do deficit fiscal americano.

Ambas as alternativas precisam de aprovação no Congresso. Uma tarifa contra o México dificilmente teria apoio dos parlamentares por todos os problemas que causaria, particularmente para as empresas que financiam as campanhas políticas. O imposto na fronteira também é polêmico, mas pode ser mais palatável.

Ao confundir as duas medidas, Trump passa a impressão de que vai cobrar dos mexicanos os custos do muro na fronteira, um desastre do ponto de vista diplomático e humanitário, mas que agrada aos seus eleitores conservadores.

A realidade, no entanto, é diferente. Seja tarifa de importação ou taxa na fronteira, o imposto será cobrado dos importadores dentro dos Estados Unidos. Se o importadores conseguirem um desconto de seus fornecedores no exterior, o custo é "exportado".

Mas se não for possível —e em muitos casos não é, principalmente nas transações entre filial e matriz—, o custo fica dentro da economia americana e pode significar preços mais elevados. Sem falar do deficit fiscal maior e da pressão que tudo isso vai gerar para aumento de juros.

Com um agravante: a reforma tributária proposta pelos republicanos pode aumentar a concentração de renda nos Estados Unidos, porque reduz os impostos sobre as empresas e distribui essa carga tributária para todos os americanos, onerando particularmente os mais pobres que gastam uma fatia maior de sua renda com consumo.

O presidente aposta que essa nova taxa na fronteira e suas ameaças direta às empresas vão trazer as fábricas de volta para os EUA. Pode até funcionar no curto prazo, mas não é sustentável, porque não aumenta a competitividade do país.

Ou seja, enquanto ataca o México, sem se importar em criar uma crise diplomática e em aumentar a intolerância, a fim de manter suas populistas propostas de campanha, Trump onera os mais pobres que prometeu proteger.


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