Folha de S. Paulo


Os golpes contra a democracia brasileira

Já se vão 30 anos desde que acabou a ditadura. O país viveu uma década perdida na economia, passou por um impeachment, estabilizou a hiperinflação, e assistiu a chegada do primeiro operário ao poder. Mas, nesse período, a democracia nunca esteve tão em xeque como agora.

Investigados pela Operação Lava Jato, Lula, Aécio, Temer, Renan, Cunha - cada um a seu modo - procuram dar um "golpe" num governo frágil, incompetente e sob suspeita de caixa 2 em sua campanha. Vale ressaltar que esses políticos representam o partido do governo (PT), sua base de sustentação (PMDB) e a oposição (PSDB).

Primeiro, o "golpe" de Lula. Dilma empossou nesta quinta-feira (17) seu antecessor na Casa Civil, para que ele ganhe foro privilegiado, e como última cartada para salvar o governo.

Se conseguir se manter no cargo, apesar da resistência da opinião pública, Lula vai negociar com o Congresso, trazer ministros e, pelos menos retoricamente, alterar a política econômica.

Sua presença no Planalto esvazia o papel de Dilma, que o chama de "presidente" e "senhor". Juridicamente pode não ser "golpe", mas, na prática, o poder está sendo transferido das mãos de quem teve votos para quem não teve.

Com Lula, o PT tenta barrar a iniciativa do vice-presidente Michel Temer (PMDB), do ex-governador Aécio Neves (PSDB) e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), que também queriam transformar Dilma na "rainha da Inglaterra" com o semiparlamentarismo. Essa jabuticaba é "golpe" porque a Constituição não prevê esse tipo de regime.

E ainda nesta quinta-feira (17), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), deu prosseguimento ao processo de impeachment de Dilma. Impeachment não é golpe, mas os motivos do deputado e do PMDB, que querem derrubar o governo na esperança de serem esquecidos pela Lava Jato, não são nada nobres.

Os três poderes da República estão em xeque. A fragilidade de Dilma não é só resultado dos ataques que recebe, mas principalmente de realizar um dos governos mais ineptos política e economicamente dos últimos anos, comparado apenas a Collor.

A credibilidade do Congresso está em frangalhos com tantos políticos envolvidos na Lava Jato, que, mesmo assim, seguem em seus cargos, tomando decisões quando o conflito de interesse é evidente.

E, finalmente, o Judiciário começa a enveredar por um caminho perigoso. Ao agradecer o apoio nas manifestações do dia 13, o juiz Sérgio Moro entrou na luta política e colocou sua isenção em risco.

A Operação Lava Jato é um marco no combate à corrupção no país, mas o papel de Moro é julgar com isenção e cabe ao Ministério Público investigar todos os envolvidos no petrolão, independentemente de suas ligações partidárias.

Com a crise política, a recessão se agravando, o desemprego subindo e a popularidade no chão, Dilma não consegue governar e o setor privado perdeu as esperanças de que ela tire o país do buraco em que o meteu.

Mas as poucas lideranças políticas que sobraram precisam conduzir o impeachment ou a cassação de chapa - opções previstas na Constituição - com calma e provas concretas.

A população insatisfeita também não deve deixar de pressionar, mas não pode perder a racionalidade e se deixar levar por soluções golpistas ou até coisas piores para se livrar do PT. Ruim com os políticos, pior sem eles. Já parecemos de volta aos anos 80, mas podemos evitar um retrocesso ainda maior.


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