Folha de S. Paulo


O tabu dos aposentados

Toda vez que o governo se mete a alterar qualquer regra da Previdência Social é uma gritaria na sociedade brasileira. As pessoas só pensam que estão tentando tirar o remédio das mãos dos velhinhos e já dizem que são contra.

Mas a reforma aprovada nesta semana no Congresso nas regras de pensão por morte está longe de ser um atentado aos aposentados brasileiros. Na verdade, apenas corrige distorções brutais que são pagas com o dinheiro de todos os contribuintes.

Vejamos algumas dessas distorções:

- Você acha justo que uma pessoa de 20 e poucos anos de idade passe a receber pensão vitalícia do cônjuge idoso depois de sua morte?

- Você acha justo que quem contribuiu menos de 1 ano e meio com a Previdência tenha o direito de passar para o seu companheiro uma pensão para toda a vida?

- Você acha justo que um união estável de menos de dois anos gere uma pensão vitalícia para o parceiro?

Pois é isso que a reforma mudou. A partir de agora, para ter direito a pensão vitalícia, o cônjuge terá que ter mais de 44 anos, com uma união estável de pelo menos dois anos com o parceiro, e uma contribuição para a previdência de pelo menos 18 meses.

Na prática, a falta de regras do sistema anterior estimulava todo tipo de picaretagem, como jovens fazendo acerto para se casar com velhinhos só para ficar com a pensão. Detalhe: as regras da pensão por morte são apenas alguns dos absurdos da Previdência Social brasileira. Se você tiver paciência para pesquisar, a lista é longa.

As pessoas podem até reclamar que a presidente Dilma cometeu um estelionato eleitoral, porque disse na campanha que não mexeria nos direitos dos trabalhadores nem que a "vaca tussa". No entanto, é preciso deixar os dogmas de lado e encarar a realidade.

Tanto é assim que as mudanças foram aprovadas em um Congresso conflagrado contra o governo. Os deputados, no entanto, cobravam uma fatura cara, porque passaram uma emenda que acaba com o fator previdenciário.

Para quem não lembra, o fator previdenciário é um complicado mecanismo implantado pelo presidente Fernando Henrique para desestimular que as pessoas se aposentassem com menos de 50 anos. Na prática, um remendo para tentar atenuar o problema.

Na época, FHC foi muito criticado porque disse que adotou o fator previdenciário para que os brasileiros "não sejam vagabundos em um país de pobres e miseráveis". Não há dúvida que ele exagerou, porque não se pode chamar de vagabundo alguém que vai receber, no máximo, o teto do INSS, que é de pouco mais de R$ 4,6 mil.

Mas o fato é que a Previdência brasileira se tornou uma bomba relógio. Os gastos com aposentadoria e outros benefícios hoje consomem 7,1% do PIB. Em 2040, serão 10,2% do PIB com as regras atuais. Se acabar o fator previdenciário, chegará a 11% de tudo que o país produz.

O Brasil está envelhecendo sem ficar rico. Em 30 anos, vamos ter a mesma quantidade de velhos que o Japão hoje. Ou seja, em pouco mais de uma geração, a conta previdenciária, que já é salgadíssima, se tornará impagável. A questão dos aposentados é delicada, mas precisa deixar de ser tabu.


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