Folha de S. Paulo


A arriscada espera de Cristina

"Chegamos a 31 de julho e o mundo segue andando", disse Axel Kicillof, ministro da Economia da Argentina, um dia depois de o país dar o segundo calote de sua dívida externa em 13 anos. Desde então, o país vizinho e sócio do Mercosul entrou em um arriscado compasso de espera.

A aposta do governo da presidente Cristina Kirchner é que o calote será curto e com efeitos limitados. Afinal, a Argentina já não recebe recursos dos mercados internacionais faz tempo. No curto prazo, efetivamente, os efeitos econômicos do "default" são pequenos.

A questão é que tudo pode sair de controle a qualquer momento. O grande risco é que os detentores dos títulos do país peçam a "aceleração" dos pagamentos. Isso significa exigir receber hoje a dívida que renegociaram por mais de 30 anos.

Agora, o país está na insólita situação de ter o dinheiro para pagar e não conseguir, por conta de uma decisão da Justiça americana. O juiz Thomas Griesa impediu a Argentina de pagar uma parcela de US$ 539 milhões de juros da dívida até que resolva a situação dos credores que a processam, apelidados pela Casa Rosada de "fundos abutres".

Se os demais credores, que são a maioria e deixaram de receber, pedirem a "aceleração", a Argentina passará a ser pressionada a pagar uma conta de US$ 30 bilhões, praticamente o mesmo valor de todas as suas reservas internacionais. Sairia da situação de "default técnico" para a de um calote efetivo.

Os credores ainda não colocaram a Argentina contra a parede por alguns motivos.

Primeiro, têm esperança de que os bancos internacionais (JP Morgan, HSBC, Citibank e Deutsche Bank) consigam fechar um acordo com os "abutres" para comprar a dívida da Argentina e reverter o "default".

Segundo, porque teoricamente o próprio governo argentino negociaria com os fundos no ano que vem. O país vem dizendo que quer pagar a todos os credores, mas cláusulas contratuais o impedem de oferecer condições melhores aos "abutres" até o fim desse ano.

Terceiro, porque se pedirem a "aceleração" da dívida, o valor dos títulos argentinos, que até agora vem se sustentando, vai virar pó. Melhor, então, esperar um pouco para ver se a situação se resolve. Os mercados, no entanto, são nervosos e uma declaração fora do lugar pode provocar um efeito manada e colocar tudo a perder.

À medida que o tempo passa e sua popularidade reage, o governo argentino vai adotando uma retórica ainda mais agressiva. Kicilloff disse ontem que "todos devem ficar tranquilos, porque a Argentina não pede dinheiro ao mercado financeiro internacional há dez anos, pois não precisa".

Será?

Com a inflação batendo em 30% ao ano, economia em recessão e reservas internacionais no limite, o país está precisando com urgência de um ajuste.


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