Folha de S. Paulo


Dependência portenha

A indústria brasileira se encontra hoje na incômoda posição de "refém" da Argentina. O sócio do Mercosul atravessa sua mais grave crise desde 2001 e a situação tem provocado calafrios por aqui. Uma análise das exportações de manufaturados ajuda a explicar o nervosismo. Em 2002, o mercado argentino absorvia 6,1% dos produtos industriais vendidos pelo Brasil. No ano passado, atingiu 19,4%.

Uma das principais razões dessa escalada na participação argentina é a demanda do país vizinho, que se recuperou na era Kirchner após o desastre do governo de Fernando de La Rua. Agora que o país enfrenta uma crise é natural que o consumo diminua.

O problema é que a perda de competitividade da indústria brasileira também favoreceu essa "dependência portenha". A indústria sofreu com o câmbio valorizado, com a infraestrutura ruim e não investiu o suficiente em tecnologia. Outro motivo da concentração nas exportações é a política externa desenvolvida pelos governos Lula e Dilma. Eles privilegiaram a aproximação com os países do sul e abandonaram por anos as negociações para acordos de livre comércio com União Europeia e Estados Unidos.

A questão é que hoje a indústria brasileira simplesmente não consegue deslocar para outros mercados os produtos que a Argentina não está absorvendo, seja por falta de demanda ou por falta de divisas. O país está adotando todo o tipo de barreiras ao comércio exterior, para evitar que se torne uma draga de suas escassas reservas internacionais.

O governo brasileiro vai tentar contornar a situação, oferecendo alguma linha de crédito para tentar pelo menos impedir a interrupção do fluxo de comércio entre os dois países. Mas neste momento não há como evitar um grande estrago no Brasil, com prejuízos para uma indústria estagnada e uma balança comercial já deteriorada.


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