Folha de S. Paulo


É a hora de acabar com a utopia do consenso na OMC?

O paciente saiu da UTI, mas ainda continua internado em estado grave. Essa é a situação hoje da Organização Mundial de Comércio (OMC), após o acordo selado em Bali, na Indonésia.

O acordo representa um alívio para a entidade, que caminhava para o cemitério. Também representa uma vitória excepcional do brasileiro Roberto Azevêdo que, com três meses e meio no cargo, fechou o primeiro acordo comercial global em quase 20 anos.

No entanto, é um acordo minguado em relação às metas ambiciosas da Rodada Doha, lançada em 2001. Segundo o ministro da Indonésia, anfitrião do encontro, o pacote é 5% a 10% do previsto para Doha. Talvez ele esteja sendo otimista.

A vitória em Bali não pode criar uma falsa sensação de saúde no paciente.

Para Marcos Jank, diretor de relações com o mercado da BRF e um dos maiores especialistas brasileiros em negociações comerciais, a OMC precisa abandonar a utopia de tomar decisões por consenso. "No antigo Gatt (antecessor da OMC), um grupo pequeno de países tomava todas as decisões. Hoje é impossível colocar 160 países de acordo. O mundo mudou", disse.

É verdade que um país como a pequena Cuba pode, em teoria, bloquear um acordo. Mas, na prática, a realidade é que o consenso nunca foi realmente a maneira como a OMC opera. As negociações da entidade são entre coalizões de países, lideradas pelas nações ricas e pelos grandes emergentes.

Jank acredita que a solução para a OMC são os acordos plurilaterais. Traduzindo: acordos sobre um tema específico, como tecnologia da informação ou investimentos, entre um grupo de países que represente a maior parte do comércio. Qualquer país que deseje pode ingressar em um acordo plurilateral --o que é diferente dos grandes blocos regionais, que excluem todos que estão de fora do bloco.

Na declaração assinada pelos 159 países em Bali, apenas cinco parágrafos se dedicam ao futuro da Rodada Doha. E tudo que definem é que os diplomatas terão um ano para montar um cronograma sobre como retomar as negociações.

Um paciente que acaba de sair do coma corre risco ao demorar tanto tempo para iniciar a medicação. Os países precisam discutir se é hora de mudar o tratamento.


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