Folha de S. Paulo


Algodão: o Brasil será obrigado a retaliar os Estados Unidos

O Brasil está prestes a retomar o processo de retaliação contra os Estados Unidos por conta de seus subsídios aos produtores de algodão. O caso já se arrasta há 11 anos, mas, sem dúvida, vai criar mais um constrangimento na relação entre os dois países, que já anda muito complicada.

A presidente Dilma Rousseff chegou a cancelar uma visita ao colega Barack Obama em Washington, após as revelações de que estava sendo espionada pelo governo americano. Nos gabinetes em Brasília, há receio de que o caso do algodão se torne mais uma dor de cabeça diplomática.

A questão é que os EUA não deixaram escolha ao Brasil, ao descumprir unilateralmente o acordo entre os dois países. Desde setembro, os americanos deixaram de pagar a compensação aos cotonicultores brasileiros, acertada para durar enquanto os subsídios não fossem eliminados.

Para quem não conhece o caso: o Brasil venceu uma disputa contra os EUA na Organização Mundial de Comércio (OMC) em 2002. O xerife do comércio mundial concordou com os argumentos brasileiros de que os americanos estavam subsidiando sua produção de algodão acima dos limites permitidos.

Os EUA se recusaram a baixar os subsídios e a OMC autorizou o Brasil a retaliar, elevando tarifas de importação para produtos americanos e até quebrando as patentes das empresas americanas. Desde então, não faltou boa vontade ao Brasil.

Em 2006, o governo brasileiro já estava autorizado a retaliar, mas, a pedido dos EUA, decidiu aguardar a conclusão da Rodada Doha, na esperança de que os americanos reduziriam seus subsídios ao algodão. A Rodada Doha empacou e os EUA não fizeram nada.

Em 2010, o Brasil se preparou novamente para retaliar, mas os americanos pediram para aguardar a votação da nova Farm Bill (Lei Agrícola). Enquanto isso, propuseram pagar US$ 147 milhões por ano de compensação aos cotonicultores brasileiros. E vinham cumprindo a sua parte no acordo até setembro deste ano.

Ninguém ganha com uma retaliação. As empresas brasileiras, que compram matérias-primas e bens intermediários nos Estados Unidos, terão seus custos elevados pelo aumento dos impostos de importação. Mas até o setor industrial reconhece que a situação se complicou. "Os EUA colocaram o Brasil numa situação insolúvel", concorda Diego Bonomo, gerente executivo de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Na próxima reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que estava prevista para essa semana e foi adiada para o dia 10 de dezembro, o Brasil deve mandar "uma mensagem política clara" aos Estados Unidos e retomar o processo de retaliação.

Mas não deve aplicar as medidas imediatamente, deixando a elevação das tarifas de importação para o início do ano que vem e criando um grupo de trabalho para definir como será a quebra de patentes. O Brasil está correto de dar um tempo para que os Estados Unidos voltem a mesa de negociação.

Os produtores de algodão brasileiros já receberam cerca de US$ 500 milhões dos Estados Unidos, mas até agora aplicaram apenas R$ 180 milhões em projetos diversos, como combate de pragas agrícolas. O dinheiro é "carimbado" apenas para algumas finalidades e, por isso, torna-se difícil de gastar.

O ideal para o Brasil não é voltar a receber esses recursos. O Congresso americano precisa respeitar as regras internacionais e acabar com os subsídios aos ricos produtores de algodão do Meio Oeste, que prejudicam não só os grandes cotonicultores brasileiros, mas também as pequenas famílias que vivem da cultura do produto na África. É uma pena que as chances de isso ocorrer sejam tão pequenas.


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