Folha de S. Paulo


Um acordo modesto para salvar a OMC

Caminhavam bem até ontem as negociações para um acordo modesto na reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), que ocorre no início de dezembro em Bali, na Indonésia. Os representantes dos países na sede da entidade, em Genebra, corriam para deixar tudo pronto apenas para a palavra final dos ministros sobre o futuro da Rodada Doha.

Dos três grandes temas na mesa de negociação --agricultura, desenvolvimento e facilitação de comércio--, os dois primeiros estavam razoavelmente bem resolvidos. Durante o fim de semana, as discussões serão intensas sobre o terceiro. Vale lembrar, no entanto, que os países sempre podem recuar enquanto não estiver tudo aprovado.

O que está em jogo em cada um desses pilares?

FACILITAÇÃO DE COMÉRCIO

É na redução das barreiras nas alfândegas que está a maior parte do ganho a ser obtido no pacote de Bali. Segundo estudo do Peterson Institute, um acordo de facilitação de comércio geraria um crescimento anual de quase US$ 120 bilhões no PIB global.

Em teoria, reduzir a burocracia é consenso entre todos os países. Mas o assunto não é tão simples. Os países pobres querem que os países ricos financiem as mudanças que são necessárias em seus portos, aeroportos e outros sistemas, porque não tem recursos para isso.

AGRICULTURA

Na agricultura, três assuntos relevantes estão na mesa: subsídios à exportação, administração de cotas tarifárias e estoques de alimentos para segurança alimentar.

Esse último tema é bastante polêmico. Alguns países em desenvolvimento, especialmente a Índia, estão pedindo permissão para formar estoques de alimentos, que balizariam os preços, beneficiando milhares de pequenos agricultores.

Não há dúvidas sobre a importância humanitária do assunto. Só que formar estoques também significa elevar subsídios agrícolas, que distorcem o comércio. O Brasil precisa estar atento, porque a grande fronteira para o crescimento de sua agricultura é a Ásia.

Os países concordaram em incluir no acordo uma "cláusula da paz". Durante quatro anos, as nações em desenvolvimento não poderão ser questionadas por subsídios resultantes da formação de estoques reguladores de alimentos.

A administração das cotas agrícolas é uma demanda do Brasil. Muitas vezes os países ricos oferecem para determinadas nações uma cota para comprar, por exemplo, carne bovina sem pagar imposto. Só que essa cota não é totalmente utilizada. O Brasil pediu que o que não for utilizado seja distribuído aos demais exportadores.

O fim dos subsídios à exportação, os mais distorcivos ao comércio, deve ser objeto de uma declaração política genérica em Bali. Esse tema demonstra o quanto a Rodada Doha andou para trás. Em Hong Kong, em 2005, os países acordaram que os subsídios à exportação seriam eliminados no fim deste ano, o que obviamente não ocorreu.

DESENVOLVIMENTO

Esse pilar se refere ao tratamento especial para os países mais pobres do mundo, que, em teoria, recebem vários benefícios dos seus pares no comércio. Será criada uma comissão de monitoramento na OMC para averiguar se esses compromissos vem sendo cumpridos.

Esses países de baixo desenvolvimento relativo também pedem que se implemente o acordo "duty free, cota free", que retiraria qualquer tarifa ou barreira contra suas exportações.

O pacote previsto para Bali é muito pequeno em relação ao que o mundo já sonhou para a Rodada Doha, que foi lançada em 2001 e prometia ser a grande negociação multilateral que promoveria o desenvolvimento e ajudaria os pobres.

Mas, neste momento, essa "mini" Doha é melhor do que nada. É esse pacote modesto que vai permitir que a própria OMC continue viva. Se não conseguirem obter nem isso, não faz mais qualquer sentido seguir negociando em Genebra.

Os ministros terão na Indonésia uma missão mais árdua do que aprovar esse pacote modesto. Eles precisam dar uma sinalização política forte sobre o que esperam para o "pós-Bali". Qual será o futuro do sistema multilateral de comércio? É essa resposta que o mundo quer saber.


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