Folha de S. Paulo


A isca de Mantega para as multinacionais

Nesta semana, finalmente foi divulgada a nova lei sobre a tributação de lucros no exterior e o programa de refinanciamento das dívidas bilionárias das multinacionais verde-amarelas. O tema é tão polêmico que, mesmo após meses de negociação com as maiores empresas do país, o pacote trouxe surpresas. O governo deu com uma mão e tirou com a outra.

Interessado em arrecadar o máximo possível para tentar cumprir a meta de superávit fiscal, o ministério da Fazenda melhorou ainda mais as condições do Refis, que já estavam sendo consideradas boas pelos empresários nas primeiras versões. O débito vai ser parcelado em 180 meses (15 anos!), com uma redução de 50% nos juros. Difícil encontrar um credor tão camarada.

Mas as regras para a tributação dos lucros no exterior a partir de agora, que é o realmente importa para a internacionalização das empresas brasileiras, vieram piores que o anunciado semanas antes.

Em coletiva de imprensa, os técnicos do governo informaram que as empresas teriam oito anos para trazer seu lucro para o Brasil e pagariam 82,5% do imposto devido no último ano. O texto da medida provisória 627 é bem diferente. Serão cinco anos para pagar o imposto, sendo 25% do total no primeiro ano.

A percepção do empresariado é que o clima pesou por conta da saída de Caio Marcos Cândido, subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, que deixou o cargo reclamando de "ingerência externa" em e-mail aos funcionários do órgão. O fisco é sempre discreto e essa lavação de roupa suja em público é rara.

As novas regras sobre a tributação de lucros no exterior atrasaram, deixando os empresários inquietos e já esperando alguma novidade. O assunto é muito delicado, porque envolve multas que somam R$ 70 bilhões contra as maiores empresas brasileiras, como Vale e Petrobras puxando a fila.

Não dá para negar que a MP 627 é um avanço em relação ao sistema que funciona hoje, embora não tenha conseguido atender a todos. A principal vitória do setor privado é que o governo aceitou a tese da "consolidação" dos resultados no exterior - as empresas criam uma holding e compensam lucros e prejuízos, pagando imposto apenas sobre o resultado final.

Para as empresas, o maior problema é que os acordos internacionais para evitar a bitributação, que estabelecem que os impostos só devem ser pagos em um país, vão continuar sendo ignorados. Por exemplo: se a empresa pagar 10% de imposto lá fora, vai ter que recolher a diferença para os 34% cobrados no Brasil ao trazer o lucro para cá, mesmo que sua holding esteja protegida por um acordo.

As empresas argumentam que a medida desincentiva o investimento em países que cobram impostos baixos, porque "exporta" o custo Brasil, reduzindo a competitividade das multinacionais brasileiras em relação aos seus concorrentes

A Receita tem razão de olhar com lupa esse assunto, porque algumas companhias vinham criando empresas de papel lá fora, apenas para fugir do imposto. A questão é que não dá para ignorar tratados internacionais assinados pelo país ou perder de vista à importância da internacionalização, que ajuda a tornar as companhias mais inovadoras e competitivas.

O mais interessante dessa história é que o ministro Guido Mantega transformou o Refis em uma encruzilhada para as empresas. As condições para o pagamento de multas tão pesadas são muito atrativas para que as companhias corram o risco de aguardar uma decisão na Justiça sobre os processos que estão em curso. Ao mesmo tempo, aderir ao Refis significa concordar com a tese jurídica do Fisco e onerar suas operações no futuro.

Ainda é uma incógnita se as empresas vão ou não aderir, mas não é difícil que muitas mordam a isca.


Endereço da página: